Atualmente muitas pessoas procuram auxílio para dificuldades pessoais em áreas do conhecimento que, antes, não possuíam essa finalidade. É diferente quando uma pessoa vai ao psicólogo e quando ela busca informar-se diretamente sobre psicologia com o objetivo de alterar seu comportamento ou superar um obstáculo existencial. Parece que hoje há uma necessidade maior em se obter conhecimento próprio e não apenas procurar auxílio de um profissional como forma de tentar viver bem. A filosofia, em função de sua longa história, naturalmente se apresenta como uma dessas alternativas. A dúvida é saber se ela pode realmente auxiliar alguém a viver melhor.
As duas histórias de Tales
Uma antiga anedota conta que Tales, considerado o pai da filosofia, caiu em um buraco durante uma caminhada enquanto contemplava o céu. Isso parece sugerir que a filosofia não possui espírito prático e não poderia nos ajudar a conduzir nossas vidas. Entretanto, outra historieta sobre o mesmo Tales conta que ele ganhou muito dinheiro ao prever o fracasso das colheitas. Isso permitiu-lhe adquirir mantimentos e revende-los mais tarde por um valor muito maior em função da escassez. As duas histórias acenam com respostas contraditórias sobre a eficácia da filosofia para nos ajudar nesse mundo.
Indo direto ao ponto, eu me arriscaria a dizer que a filosofia não é útil se queremos ter uma vida boa. Fundamentalmente porque o seu compromisso maior não é com o bem-estar pessoal, mas com a liberdade de pensamento. Mais de um filósofo já se estrepou feio por causa dessa liberdade envolvida na filosofia.
Ela quer dizer que a coisa mais importante para quem se envolve com a filosofia é estar comprometido com seu próprio pensamento. Então, se na prática da filosofia, o pensamento me levar para uma direção, meu compromisso é com aquilo que está indicado e não com o meu bem-estar pessoal, doa a quem doer.
Assim, na prática da filosofia posso concluir, por exemplo, que o mais correto é viver uma vida sem sofisticação, em um meio rural relativamente isolado. É óbvio que eu deveria abdicar de um grande número de coisas que, agora, constituem um estilo de vida considerado normal: meios de comunicação de massa, oferta de alimentos, habitação, sistema de saúde, proximidade com a família etc.
Abdicar de todas essas coisas certamente não corresponde ao conceito usual de busca da realização existencial, mas pode corresponder perfeitamente a um princípio de vida a que alguém chega por meio do pensamento livre.
Questão-chave
A questão-chave com a filosofia é justamente a extrema liberdade, o fato de que ela não possui compromissos sólidos com a normalidade, com o senso comum, com os valores praticados por uma comunidade, com as práticas políticas vigentes, com a moralidade praticada.
Isso não significa que os filósofos são contra todas essas coisas. Isso significa que a prática da filosofia nos obriga a pensar por conta própria. A partir disso, qualquer hipótese se torna possível, desde que se chegue a ela através do pensamento. Pode ser que a prática da filosofia termine em mal-estar, a depender do rumo que se tome. Pensar é sempre um risco!
Claro que qualquer um pode pensar sem abrir mão de seu compromisso com o bem-estar próprio. Não há nada de errado com isso. Isso só não é filosofia. Se você que usar a filosofia para viver bem, deve considerar os riscos que existem na liberdade. Mas pode ser também que viver a liberdade se torne mais importante que viver uma vida boa.