Impregnação das telas na infância e saúde mental

A intensa exposição às telas na infância, a amplificação de seu uso na pré-adolescência, a submersão a elas na adolescência, caracterizam o vício digital, que poderá perturbar o desenvolvimento das redes neuronais, minar a inteligência, prejudicar as condutas interativas e sociais etc; entenda

Vivemos em um contexto de hiperinformação e partilhamos, na atualidade,  o universo onipresente da tecnologia e das redes sociais. E, sem dúvida, o aparecimento e desenvolvimento da tecnologia digital tem causado impactos no desenvolvimento do cérebro e da mente do ser humano.

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Michel Desmurget é um pesquisador e escritor francês especializado em neurociência cognitiva, que, em um estudo sobre a geração dos nativos digitais, relatou que esses jovens se inclinam a uma retroatividade imediata e possuem uma cultura digital transversal intuitiva. Tendem a fugir ao raciocínio dedutivo, demonstrativo, preferindo o tateamento favorecido pelos links de hipertexto. As tecnologias digitais estão emaranhadas nas suas vidas, sendo impossível separá-las. A tecnologia é, praticamente, sua língua materna.

Segundo esse autor, apesar das novas acessibilidades e dispositivos digitais, essa geração tende a dedicar pouco tempo para criar conteúdos próprios. O uso das telas de mídia continua sendo dominado por jovens assistindo TV e vídeos, jogando videogames e usando as redes sociais. O desenvolvimento linguístico deles é pobre,  não partilham a cultura dos seus pais. Têm dificuldade para pensar, refletir, ler, escrever e fazer cálculos.

Sabe-se que o uso excessivo de dispositivos baseados em telas, em detrimento de vínculos presenciais com pessoas, faz com que potenciais fundamentais da infância não sejam suficientemente atualizados. Depois, fica tarde demais para aprender a pensar, a refletir, a manter concentração, a fazer esforços, a dominar a língua, além das suas bases rudimentares, a hierarquizar os fluxos de informação recebidos e interagir com pessoas. Uma imersão precoce da criança no mundo digital poderá desviar os aprendizados essenciais que, por conta do fechamento progressivo das janelas neurológicas de desenvolvimento, se tornarão mais difíceis de alcançar.  Segundo Desmurget, pela primeira vez na história, os filhos têm Q.I. inferior ao de seus pais. 

Impregnação das telas na infância e a saúde mental

A impregnação das telas na infância, a amplificação de seu uso na pré-adolescência, a submersão a elas na adolescência, caracterizam o vício digital, que poderá perturbar o desenvolvimento das redes neuronais, minar a inteligência, prejudicar as condutas interativas e sociais e danificar a saúde, favorecendo distúrbios de sono e obesidade e patologias como depressão e ansiedade. Além disso, as atividades online agem como recompensas fortes para o cérebro e o tempo repetido de tela aumenta a tendência de buscar gratificações de curto prazo.

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Centros de controle e prevenção de doenças de muitos países estão mostrando sinais de uma piora importante na saúde mental dos jovens na última década. Existem  registros mostrando que crianças e adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes correm o dobro do risco de adquirirem problemas de saúde mental, incluindo sintomas de depressão e ansiedade. Os conteúdos das redes são também preocupantes.

A par disso se observa perdas nas relações interpessoais, diminuição dos graus de  empatia, isolamento, perda de sentido da vida, igualmente em adultos e adolescentes.

Embora o uso da mídia social possa ter impactos positivos para algumas crianças, as evidências observadas em vários estudos exigem uma preocupação significativa com a maneira como ela é projetada, implantada e utilizada atualmente. Vivemos em um mundo complicado e precisamos aprender a lidar com adversidades, que por certo virão. Nesse sentido, pode-se  pensar ainda em outro fator importante que justifica o declínio da saúde mental dos jovens. Em uma sociedade mais narcisista e hedonista como a que se apresenta na atualidade, onde há pouco aprendizado para aguentar esperas, adiar satisfação de desejos e  lidar com sofrimentos, estamos criando crianças e adolescentes mais frágeis, nos quais o potencial de resiliência não está sendo atualizado. Eles ficam mais vulneráveis ainda às condições não desejáveis do mundo digital

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É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.