por Roberto Santos
Apesar de o mundo das mídias sociais dos "selfies" (aquelas fotos que tiramos de nós mesmos com nossos celulares) em Twitters, Instagrams e Facebooks apontar para um crescente narcisismo que nos permite expor o melhor de nós mesmos – "photoshopeando" não apenas nosso visual, mas também nossa personalidade – a globalização e lenta mas crescente conscientização ecológica, clamam pela interdependência irreversível nas relações grupais e organizacionais.
Esta condição impõe-se como um mandamento para nossas relações interpessoais em todos os grupos que participamos. Em especial, nas organizações atuais em que trabalhamos, crescem os modelos envolvendo estruturas matriciais em que uma pessoa pode participar de três ou quatro grupos, com chefes diferentes, muitas vezes com prioridades diferentes e conflitantes.
Ram Charam, professor de Harvard e consultor organizacional, afirma em seu livro "Conquistando uma Cultura de Indecisão" que "O diálogo é unidade básica de trabalho em uma organização – a qualidade do diálogo determina como as pessoas coletam e processam informações, como tomam decisões e como se sentem sobre elas mesmas e sobre os resultados destas decisões."
Fala-se muito sobre trabalho em equipe e sobre as fases pelas quais seus membros experimentam quando conseguem se desenvolver de um grupo de pessoas para chegar ao tão almejado estado de uma equipe de alto desempenho. Essa condição reflete principalmente um grau de interdependência, objetivos e metas compartilhadas, alinhamento como à forma de alcançá-los e complementaridade de papéis, independentemente da singularidade de seus membros.
Entretanto, o diálogo e a relação entre cada membro de uma equipe são cruciais para que se opere a "mágica" da alta performance em uma equipe. Em workshops de desenvolvimento de equipes, quando perguntamos sobre as experiências mais incríveis que as pessoas viveram em equipes que participaram, aquelas características relacionadas à interdependência surgem em exemplos vívidos que revelam o comprometimento e o alinhamento de seus membros, tendo como "cola" o respeito e a confiança entre eles.
Então o sucesso macro de grandes corporações e equipes de alta performance pode ser atribuído em larga escala às relações que as pessoas mantêm no dia a dia no ambiente de trabalho.
Podemos ver essas relações como "pontes sociais" imaginárias que se estabelecem nos grupos de trabalho de um setor, entre setores e departamentos. Enxergamos pontes sendo construídas quando novos membros se associam ao grupo e procuram conhecer e serem conhecidos. Vemos pontes sendo fortalecidas para se formar alianças em torno de objetivos comuns, para enfrentar desafios que afetam os dois lados da ponte. Vemos também pontes sendo queimadas, por conflitos pelas mais variadas causas, e, às vezes, vemos esforços uni ou bilaterais para se consertar essas pontes para se poder voltar a se transitar sobre ela.
Assim, é comum encontrarmos nestes "viadutos sociais" os caminhos de afetos e desafetos pelas direções que as pessoas adotam em suas relações cotidianas. O grau em que as pessoas desejam e se esforçam para ter razão e vencer um argumento ou preferem ter conexão com as outras pessoas, tem um peso importante em quanto seu diálogo visa criar interdependência e alinhamento. Nesses debates e diálogos se desenvolvem afetos e desafetos – aliados ou inimigos – conexão ou afastamento que, se nada fazemos a respeito, com o tempo apodrecem as pontes, bloqueiam-se os caminhos de produtividade e satisfação no ambiente de trabalho.
Não que o debate de ideias seja algo a ser evitado; muito pelo contrário, a discussão aberta de pontos de vista é essencial para o progresso das teorias, modelos e conceitos. Porém, quando as emoções entram em jogo e disputas de poder contaminam a capacidade de discernimento sobre os temas em discussão, se acirram as polarizações do "meu jeito" que é diferente do "seu jeito" as distâncias se agigantam.
Nessas situações, esquecemos de pesquisar as premissas que estão por trás dos pontos de vista do interlocutor, nos fechamos para entender as necessidades dele ou para expressar sinceramente nossos sentimentos e necessidades relacionados ao que está em jogo. Entram em cena julgamentos não expressos que afastam gradativamente a possibilidade de uma conexão e alinhamento ao "nosso jeito" para resolvermos nosso problema ou alcançarmos o objetivo comum.
A alternativa ao debate de vencedores e vencidos é o diálogo de conexão em que ganham ambas as partes em novas bases que atendem objetivos maiores e comuns. Aquele elemento citado acima – a confiança — que propicia a "cola" nessa conexão deve ser buscada e alguns ingredientes são essenciais para que ela tenha a eficiência esperada.
Ouvir genuinamente
A habilidade mais importante da comunicação e relações humanas é aquela que diferente da leitura, fala e escrita, não se aprende na escola, ou na faculdade e muitos nunca aprendem na vida. Existem limitantes neurológicos que explicam a superioridade da velocidade de nosso pensamento em relação àquela da fala de nosso interlocutor, que faz que pensemos em "trocentas" coisas enquanto fingimos estar ouvindo. Mais comuns ainda, existem os limitantes psicológicos de necessidade de poder e dominação do outro. Você já deve ter experimentado uma conversa em que seu interlocutor estava esperando um milissegundo entre sua inspiração e expiração para interrompê-lo, revelando que não estava acompanhando a linha de seu raciocínio.
Crescentemente, os programas de desenvolvimento de executivos e de formação de coaches, martelam sobre a importância da "escuta ativa", a "presença na escuta", o "ouvir autêntico e genuíno" – várias expressões para mostrar que parecer ouvir é insuficiente. Quando ouvimos atenta e ativamente, mostramos interesse em entender os fatos, parafraseamos para confirmar que estamos entendendo o que estamos ouvindo e, muito importantes, garantimos que a outra pessoa concluiu seu raciocínio antes de expormos nossa resposta.
Livro aberto ou agenda oculta
Um dos modelos mais usados até hoje quando se aborda as relações interpessoais é a "Janela de Johari", criado nos anos 60 por um Joe e um Harry. O modelo descreve que numa relação entre duas pessoas, essa janela em que existem quatro áreas: a Arena ou área Aberta – onde estão as informações, objetivos, interesses, necessidades etc que as duas partes envolvidas têm conhecimento – é nosso livro aberto. A área Secreta inclui aquilo que eu conheço sobre mim mesmo mas não deixo outros conhecerem – é nossa agenda oculta. A área Cega inclui aquilo que os outros pensam, percebem ou sabem sobre mim que eu não sei ou não tenho consciência e as pessoas se relacionam conosco tanto baseadas no que está em nosso livro aberto como naquilo que veem em nós. A quarta área é a Desconhecida – coisas que estão no inconsciente e nenhuma das partes tem acesso – e podemos deixar de lado para o que estamos abordando.
Segundo este modelo, a relação de respeito e confiança entre as pessoas e dentro de grupos cresce quando se expande a Arena ou área aberta. Isso pode se dar de duas formas – quando expomos parte de nossa fachada ou agenda oculta e/ou quando pedimos e usamos feedbacks que recebemos para aumentar nosso autoconhecimento reduzindo nossa área Cega.
A visão do vencedor e perdedor e o mito do herói e da perfeição, presentes em muitas pessoas, dificultam os dois movimentos – expor nossos objetivos, nossos sentimentos, nossas necessidades, prioridades e abrir para escutar empaticamente sobre os sentimentos e necessidades dos outros sobre o que está sendo discutido.
O pretenso diálogo baseado em uma escuta surda cria distanciamento e desafetos. A sinceridade e o interesse verdadeiro por compreender com precisão as premissas por trás dos pontos de vista e propostas da outra parte geram afetos.
Propor e sustentar o diálogo autêntico
Quando nos deparamos com pontes danificadas por desafetos de conflitos anteriores podemos tomar dois caminhos – voltar atrás e buscar caminhos alternativos que podem ser mais longos e custosos ou propor uma "parceria" com o outro "dono" da ponte para repará-la mediante o diálogo autêntico.
Quando consideramos a segunda alternativa, também encontramos outra encruzilhada – Por que eu é que tenho que dar o primeiro passo? Foi o outro que criou o problema e danificou a ponte…ele(a) que deve me procurar.
Dar o primeiro passo – na confiança – constrói confiança
Dilema: quem dá o primeiro passo? Provavelmente, o que está em jogo nos dois lados é o ego ou aquele narcisismo citado no primeiro parágrafo deste texto. Se tomo a iniciativa e o outro me esnoba, minha cara cai no chão e vou ser vítima da minha fraqueza exposta. Se tomo a iniciativa e a outra parte cede, meu ego vencedor pode levar ao desejo de conquista do troféu da vitória do caçador impiedoso com sua presa. Eu venci e você foi derrotado. Ambos caminhos baseados na presunção do ego levam ao desafeto.
Há uma expressão em inglês "take a leap of faith" que traduz-se como dar um salto de fé ou confiança. O acrobata dá um salto na esperança de que encontrará um par de mãos seguras e firmes para ampará-lo. Nas relações interpessoais dizemos que damos um voto de confiança a alguém por acreditarmos que não nos decepcionará ou trairá nossa confiança. Essas situações acontecem em pontes que estão sendo construídas ou fortalecidas. Mas também nos casos de pontes que precisamos consertar, a parte mais forte é aquela que dá o salto da confiança e, de forma desarmada e autêntica, propõe o diálogo ou a retomada dele.
Neste momento devem entrar em ação o ouvir empático e o silenciamento dos julgamentos implícitos nas frases "você é ou você foi isso ou aquilo…" para substitui-los por fatos – "você fez isso ou aquilo e eu me senti dessa ou daquela forma" – não como vítima do outro mas por não ter tido uma necessidade importante atendida – aquelas necessidades não expressas ficam perdidas entre falas emocionais e inconclusivas.
Expor os acontecimentos de sua perspectiva, indicando as necessidades não atendidas e os sentimentos resultantes, abre caminho para pedir ao outro lado, fazer o mesmo – o que aconteceu a seus olhos e ouvidos, que necessidades não estavam atendidas e que sentimentos isso gerou. Finalmente, ambas as partes buscam em conjunto uma forma de consertar a situação, se ainda está acontecendo, e acima de tudo, estabelecem um novo "contrato relacional" para transitarem numa ponte consertada e fortalecida.
Não existe mágica na cura de desafetos e conflitos nas relações dentro de organizações, famílias e comunidades em geral. Pode até haver o "pensamento mágico" de esperar ou torcer para que a outra pessoa peça demissão ou seja transferida para bem longe. Entretanto, a interdependência crescente faz com que aquele conflito não resolvido com uma pessoa contamine outras relações e, sem percebermos, o problema sai de nosso controle. Dar o primeiro passo – na confiança – constrói confiança.