O perigo da positividade tóxica ao terminar uma relação

A positividade desvinculada de acontecimentos reais que a sustentem funciona como uma droga

O tema é sugestão do editor-chefe:

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Circulam nas redes sociais o tempo todo postagens imbuídas do que tem sido chamado de ‘positividade tóxica’. Ou seja, uma autocobrança de se ter uma atitude positiva em todas as situações. É evidente que essa postura tem sido aplicada para términos de casamentos, namoros… Mas… até que ponto conseguimos ter uma atitude(s) positiva(s) após terminar um relacionamento longo ou não? E quais as consequências dessa positividade tóxica?

Resposta: Sentimentos, quando reais, são ligados a vivências reais. Ficamos felizes quando atingimos um objetivo, quando nos sentimos em paz, quando temos uma sensação física agradável. Ficamos tristes quando perdemos algo importante, ansiosos quando não conseguimos prever os próximos acontecimentos, raivosos quando nos sentimos traídos.

Assim, todo sentimento humano é um sinalizador que nos indica qual caminho devemos escolher e qual caminho devemos evitar. Todo e qualquer sentimento humano tem sua importância na nossa vida.

Qualquer perda, seja ela amorosa ou não, nos faz mergulhar numa gama de sentimentos até chegarmos à sua aceitação. Revolta, raiva, negação, vingança, depressão, são alguns sentimentos que nos ajudam a refletir sobre nossas escolhas e suas consequências; são os instrumentos que, aliados à razão, nos levam a entender causa e consequência ampliando nosso estado de consciência.

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O mito da felicidade e da positividade eterna

Tentar pular etapas após uma perda amorosa pode ser comparado a engolir uma comida sem digeri-la. O mito da felicidade e positividade eterna, ou pelo menos altamente constante, que tem sido pregado por influenciadores, pode até servir de estímulo para agir, ao invés de ficar remoendo derrotas. Mas está longe de ser uma fórmula que serve para todos e pode ser altamente tóxica quando “consumida” em excesso.

Sim, a positividade desvinculada de acontecimentos reais que a sustentem funciona como uma droga. Afinal, o que é uma droga? É algo que fornece ao indivíduo o estado de espírito que ele quer comprar desvinculando sentimentos de vivências reais. E quando o indivíduo sabe que pode “comprar” sentimentos, o risco de ficar viciado é grande.

Positividade tóxica: a pessoa se cobra ser positiva em todas as situações e acaba perdendo a cumplicidade com seus reais sentimentos

Talvez venha daí o termo positividade tóxica. A pessoa se cobra ser positiva em todas as situações e acaba perdendo a cumplicidade com seus reais sentimentos.

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Assim, para que o influenciador não funcione como um “traficante” de estados emocionais, é importante que cada um reflita sobre seus próprios sentimentos. Então, é importante que cada um se permita elaborar o luto da forma que achar melhor, dure quanto durar. Logo, é importante perceber que não existe uma fórmula de felicidade única, cada um tem sua própria.

Assim, é importante não se deixar viciar por conselhos que levam à negação de vários sentimentos reais, substituindo-os pela falsa positividade.

Afinal, existem personalidades mais otimistas e outras mais pessimistas. Não se transforma uma personalidade moldada através de sua genética e suas vivências usando o cinzel da pregação.

Terminar uma relação dói

Terminar um relacionamento amoroso, em geral, é doloroso para a maioria das pessoas. Às vezes a dor pode vir no começo do processo, outras no meio, e outras no final. Mas ela estará presente para quem se propôs a construir algo em parceria com outra pessoa. Então, negar essa dor, a frustração, negar a indecisão significa a volta onírica ao paraíso perdido habitado pelos humanos antes da mordida da maçã.

Segundo a metáfora bíblica, quando Eva mordeu a maçã oferecida pela cobra, ganhou a dádiva da consciência, mas ela e seu companheiro Adão, os primeiros humanos, foram ‘castigados’ com a perda da subsistência fácil.” Com o suor do teu rosto comerás o pão”, ouviram da voz divina. Era o início da busca pela subsistência que nos tiraria do estado de graça primitivo, nos colocaria frente a objetivos que gerariam as mais diversas emoções até chegarmos ao nosso alvo. E assim funciona até hoje.

Em algum momento da evolução ganhamos a capacidade de entender causa e efeito por meios racionais, e essa capacidade nos trouxe sinalizadores de perigo e de sucesso: nossas emoções. Desse modo, substituímos parte de nossa intuição animal pela lógica antecipatória e ganhamos a possibilidade de conduzirmos nossa vida de modo mais consciente.

Polyana e seu jogo do contente

O homem de hoje escolhe seu par amoroso não apenas para gerar prole, mas para gerar uma história. Uma história de construções e realizações. E de derrotas também. Porque quando essa história termina antes do fim, quando se torna monótona, ou sem sentido, a dor e a frustração estarão presentes. Não adianta dar uma de Polyana e seu jogo do contente. Quem não aprende com seus erros e acertos corre o risco de repetir eternamente a mesma história e não saborear o fruto da maturidade emocional.

Enfim, não adianta varrer emoções para baixo do tapete. É importante acreditarmos e nos empenharmos com afinco e positividade em nossos projetos, sejam eles amorosos ou não. Mas não podemos nos esquivar das dores, frustrações ou ansiedades que, com certeza, os acompanharão. Sob pena de nos tornarmos robôs viciados em positividade, escravos de quem, conscientemente, poderá nos usar para seus próprios interesses roubando o pouco de livre-arbítrio que, a duras penas, conseguimos conquistar.

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de uma psicóloga e não se caracteriza como sendo um atendimento.

É psicóloga graduada pela PUC/SP. É psicoterapeuta de adultos e adolescentes em consultório particular desde 1975 até a presente data. É coach em saúde mental. Vya Estelar quer colocar você, querido leitor(a), ainda mais pertinho de nós. A psicóloga Anette Lewin responderá perguntas enviadas por você sobre relacionamento amoroso, conflitos na vida a dois e conjugal. Esta resposta possui dois formatos: 1º formato: responder as perguntas enviadas por você; 2º) formato: extrair uma palavra em específico de uma pergunta que você enviou (ex: traição). E partir desta palavra, revelar o significado do que sentimos ao nos relacionar. Seu nome e e-mail serão preservados.