A democracia pode ser entendida como um espaço político de afirmação da vontade pessoal, de tal forma que com ela se amplie a possibilidade de expressão das pessoas. Isso é verdade, mas não é toda a verdade.
Todos nós, brasileiros, sabemos que tem havido uma deterioração dos aspectos democráticos no nosso país. Não se trata somente de um governo que avança contra as instituições e, dessa forma, enfraquece os mecanismos de controle e limitação do uso abusivo do poder. Se trata de que nós, brasileiros, elegemos um governo que age dessa forma. Aliás, o presidente atual caracterizou sua carreira política justamente por afrontar a democracia. Isso nos obriga a pensar no que há de avesso à democracia em nós. Por que, afinal, preferimos afrontar a democracia?
O que é democracia?
É comum que se entenda a democracia como a afirmação de um espaço político de afirmação da vontade pessoal, de tal forma que com ela se amplie a possibilidade de expressão das pessoas. E isso é verdade, mas não é toda a verdade. Ao mesmo tempo em que a democracia amplia a possibilidade de expressão da vontade das pessoas, ela também constrange a uma certa utilização dessa expressão. Isso porque a democracia é um sistema de aperfeiçoamento.
O debate possibilitado pelos arranjos democráticos não visa que cada um diga o que pensa. Ela visa que cada um diga o que pensa com o propósito de se chegar à melhor opção possível. Ou seja, um sistema é democrático quando ele amplia a base das sugestões iniciais com o objetivo de escolhermos uma opção. Se trata, portanto, de uma maneira de resolver problemas, de avançar em direção a boas escolhas, de atingir objetivos e finalidades viáveis em diferentes contextos. Em outras palavras, a democracia é uma forma de aperfeiçoamento – pessoal e social.
Você aceitaria participar do jogo da democracia?
Então, quando nos propomos a participar do jogo democrático, entramos em acordo sobre a possibilidade de que todos expressem seu ponto de vista, mesmo aqueles que pensam diferente de mim mesmo. Essa expansão da base dos participantes (a princípio todos podem fazer parte) diversifica o sistema de opções possíveis, mas isso não é tudo. Isso é só o movimento inicial do impulso democrático.
O passo seguinte é o compromisso de acatar a melhor solução disponível para assegurar o aperfeiçoamento. Se trata, portanto, de um compromisso que nos obriga a acatar o que parece ser a melhor opção e que pode não ser a minha própria opinião. E aqui se encontra o ponto sensível da falta de validade profunda da democracia no Brasil.
Cada um de nós gosta de expressar sua própria opinião porque acha que ela é a melhor, afinal se trata da minha opinião. Até aí tudo bem. Somos um povo bastante exibicionista que gosta de exposição – e festa. Mas daí a acatar a opinião de um outro como sendo melhor que a sua vai uma grande distância. O que há no jogo democrático e que nos desgosta é o compromisso com o aperfeiçoamento. Isso exige um movimento constante em direção a algo diferente do que somos, uma busca incansável por atingir algo ainda desconhecido no futuro, a experiência de uma tensão sempre presente e, mais do que tudo, a consciência de uma carência que nos rebaixa à condição de seres imperfeitos.
Democracia é…
A democracia é a afirmação de nossa condição de pecadores, de incompletos, de carentes. O problema é que ninguém carente vai a uma festa – não com um autêntico espírito festivo. Ou seja, ou você assume a condição existencial de carência e imperfeição ou participa da grande festa que é a vida brasileira.
Para nos tornarmos democráticos temos que cortar na carne e extirpar de nós algo que nos torna brasileiros. Ou, pelo contrário, permanecemos brasileiros e adotamos uma tintura democrática: um colorido superficial que não altera nossa maneira de viver. Por isso que a democracia brasileira é uma mera tonalidade com que temos enfeitado a vida. Ela pode se desbotar com facilidade porque é somente cor.
Não se trata somente de um governo ou outro que possui pouco apreço pela democracia. Se trata de um país que pode adotar cores variadas, desde que os motivos da festa existencial não sejam interrompidos. Não se trata de que nós, brasileiros, sejamos contra a democracia. Se trata de que atualmente por aqui a democracia só pode ser uma fantasia de Carnaval.