E de que forma a violência machista se relaciona com o fim da política?A política nasce quando a violência deixa de ser exercida sem… Descubra neste post
Uma das facetas mais assustadoras do machismo brasileiro no Século XXI é o exercício imediato da violência. Diferentemente das formas mediatas de violência, essa a que me refiro é exercida na ausência de qualquer tipo de ponto de fuga. Ilustro essa situação com um exemplo que representa uma enorme variedade de casos noticiados nos jornais diários.
O caso típico é o do indivíduo que, insatisfeito com a separação promovida pela ex-companheira ou com o pedido para que ela ocorra, assassina-a, aos filhos do casal e em seguida suicida-se. Nesse tipo de violência não há um ponto de fuga porque sequer a própria existência é preservada. Pelo contrário, faz parte do seu exercício a própria morte. Porém, nesse caso, o suicídio que encerra o conjunto de atos violentos, não é o resultado de uma desistência com o significado geral da existência individual. Ele não é o sinal de uma falência geral do sentido que mantém alguém vivo.
Nesse caso, se trata de uma insatisfação particular: afinal é um único evento que contraria as expectativas do indivíduo. Não se trata sequer de um conjunto de desilusões amorosas, mas somente de uma. O ato final não é a expressão de um longo processo de fracassos pessoais ou o desenlace de uma história de vida carregada de sofrimento. Ele expressa somente uma insatisfação da vontade, uma insatisfação imediata.
Esse tipo de violência é o resultado de uma contrariedade, como se a vontade pairasse em um éter em que não se permite qualquer tipo de contradição. Creio mesmo que essa é a síntese da vontade machista: a intransigência e a indisposição para a política. Afinal, a política é a possibilidade do acordo, da saída sempre viável, mesmo que insatisfatória e temporária.
Violência machista, indiscriminada e o fim da política
A política nasce quando a violência deixa de ser exercida sem mediações. Mesmo uma ameaça ainda possui algo de político, porque preserva a possibilidade de que a violência seja resolvida de alguma forma não violenta.
Por isso esse tipo de violência machista é tão específica. Ela afirma o fim da política, a desistência das mediações e a impossibilidade de acordo a despeito, inclusive, da preservação da vida individual. A vontade machista insinua permanentemente o fim da política e o mundo da violência indiscriminada, exercida contra qualquer um ao menor sinal de contrariedade.
Por isso mesmo, o projeto de lei 1904, apresentado recentemente no Congresso Nacional pela Bancada do Estupro, sinaliza a invasão da política pela violência. Quer dizer que, mesmo na dimensão política em que a negociação e o acordo deveriam se sobrepor, a violência vem ganhando terreno. Não interessa aqui se o projeto é somente um jogo de cena. Interessa que ele representa a intenção de punir as vítimas. Ou seja, não bastasse a violência inicial, se trata agora de propor uma violência de segundo grau que amplia e potencializa o sentido destrutivo da primeira.
A violência machista que tenta contaminar a política deve ser observada com cautela. Ela não é somente mais uma manifestação de violência. Ao propor a criminalização das vítimas femininas, o machismo ganha um novo horizonte de corrosão da sociabilidade. A partir desse ponto, ele mira a destruição da política e, portanto, da própria sociedade – pelo menos como a entendemos.
Ninguém de bom senso pode acreditar que em uma sociedade em que a violência domina também a política poderá haver vantagens para si. Nesse tipo de ambiente não há vantagem para ninguém, nem mesmo para os machistas mais convictos. A violência não possui filhos prediletos.