por Monica Aiub
Muitas pessoas chegam ao consultório de filosofia clínica afirmando ter síndrome do pânico, outras alegam depressão, em outros casos o problema é o transtorno de ansiedade. Na maioria desses casos a pessoa já faz tratamento com um médico, toma medicamentos e procurou a terapia por indicação médica, ou por indicação de alguém que lhe sugeriu uma terapia como auxiliar ao tratamento médico.
É interessante observar como, em grande parte desses casos, em pouco tempo a “doença” deixa de ser o assunto principal. Ela se coloca apenas como assunto Imediato e, muitas vezes, é esquecida rapidamente. Passa-se, então, a tratar das questões referentes ao cotidiano da pessoa e das dificuldades que ela encontra para lidar com elas.
Estudando, junto com a pessoa, as possibilidades existentes para lidar com as questões cotidianas, por vezes, descobrimos caminhos ainda não trilhados. Em vários casos, a pessoa já pensou a respeito, já vislumbrou a possibilidade.
Em outros casos, é a primeira vez que se depara com algumas das ideias levantadas em clínica.
Nos casos em que a pessoa já pensou anteriormente na forma de encaminhamento de suas questões, é comum não ter se direcionado para tais caminhos ou por não saber como, ou por não conseguir.
Quando a pessoa não sabe como, o filósofo clínico a auxilia a encontrar as possibilidades e a construir o caminho escolhido. Isso exige um estudo acerca das circunstâncias nas quais a pessoa está inserida, das consequências de trilhar determinados percursos, das implicações dessas escolhas nas relações significativas da vida dessa pessoa, das prováveis mudanças que essa escolha poderá provocar em seus modos de vida. Esse processo, muitas vezes, é suficiente para que a pessoa decida por um ou outro caminho e inicie um processo de “reconstrução” de seus modos de ser.
O movimento provocado por esse processo altera, em vários casos, a forma como a pessoa se sente, se coloca no mundo, se relaciona ou vive. Tais alterações promovem mudanças tanto no “interior” dessa pessoa, quanto no mundo que a circunda. Trata-se de um complexo movimento onde não é possível discernir o que se inicia primeiro: a mudança externa ou a mudança interna. Talvez nem seja o caso de distinguir entre interno e externo, uma vez que tais distinções podem ser apenas traçados virtuais.
Quando a pessoa não consegue promover essas mudanças, é preciso compreender o que se passa. Muitas vezes, o medo é o que se coloca como impedimento à movimentação existencial.
“O que eu faço com o medo?” é uma pergunta comum.
Medo de mudar e não ser aceito pelas pessoas que lhe são queridas; medo de ser rejeitado; medo das coisas não darem certo; medo de perder seus bens; medo de perder sua condição de sobrevivência; medo de perder o status, ou a situação social que conquistou; medo de descobrir que está errado; medo de tentar; medo de conseguir… são muitos e diferentes medos que surgem. Alguns veem -se como grandessíssimos covardes, considerando serem apenas eles os que sentem medo. Outros sucumbem ao se depararem com um medo paralisante. O que fazer?
O primeiro passo é contextualizar esse medo e sua intensidade. Em muitos casos, o medo pode ser extremamente positivo, porque exige cautela, cuidado na movimentação. Alguns movimentos podem destruir formas e relações que nos são caras, e nem sempre é necessário fazê-lo. Assim, movimentos cuidadosos, cautelosos, podem nos auxiliar mais que movimentos bruscos, em determinadas ocasiões.
Outras ocasiões exigem movimentos bruscos, precisos e rápidos. Podem exigir também a destruição de algumas de nossas formas de ser, e isso pode provocar muito medo. Afinal, e se destruirmos uma forma de ser e não conseguirmos construir outra que a substitua, como continuaremos vivendo? Por isso, o medo precisa ser considerado, investigado, e muitas vezes, antes de se provocar uma movimentação, uma modificação radical na vida, é preciso passar por um processo de fortificação. Esse processo poderá nos exigir a construção de algumas novas formas de vida que substituam as anteriores. Por vezes, é preciso construí-las, testá-las, aprender a viver com elas, antes de se libertar das antigas formas.
Mas será que só eu tenho medo?
As pessoas parecem tão seguras em suas ações…”. Ouço questionamentos como esse quase que diariamente no consultório. O que me parece, pelo que observo, é que muitos de nós temos medo. Há muitos e diferentes casos em que as pessoas relatam seus medos. Mas relatam a portas fechadas, numa consulta terapêutica, às vezes o relato vem acompanhado da expressão: “Isso eu não revelo nem para mim mesmo”. Outros partilham seus medos apenas com pessoas muito próximas. Parece-me que construímos um modelo social onde sentir medo é sinônimo de fraqueza, é falta de competência para existir, é algo negativo.
Descartes, em As Paixões da Alma, afirma:
“O máximo que pode fazer a vontade, enquanto essa emoção [emoções violentas e mais fortes] está em vigor, é não consentir em seus efeitos, e reter muitos dos movimentos aos quais ela dispõe o corpo. Por exemplo, se a cólera faz levantar a mão para bater, a vontade pode comumente retê-la; se o medo incita as pessoas a fugir, a vontade pode detê-las, e assim por diante”.
Ele nos mostra, com todo seu racionalismo, que não há como não ser afetado pelas emoções. O máximo que podemos fazer é controlá-las via razão.
Antonio Damásio, em O Erro de Descartes, defende que emoções, como por exemplo, o medo, são fundamentais para os processos de decisão e de sobrevivência humanos.
“Conhecer a relevância das emoções nos processos de raciocínio não significa que a razão seja menos importante do que as emoções, que deva ser relegada para segundo plano ou deva ser menos cultivada. Pelo contrário, ao verificarmos a função alargada das emoções, é possível realçar seus efeitos positivos e reduzir seu potencial negativo. Em particular, sem diminuir o valor da orientação das emoções normais, é natural que se queira proteger a razão da fraqueza que as emoções anormais ou a manipulação das emoções normais possam provocar no processo de planejamento e decisão”.
Emoções, como o medo, não são boas ou más por si mesmas.
Dependendo do contexto e do que provocam em nós, são positivas e podem nos auxiliar e muito. Contudo, também podem se tornar um entrave em nossas vidas, nos impedindo de viver. Alguns dos casos que chegam ao consultório alegando possuir síndrome do pânico, com o trabalho, revelam-se como apenas um medo diante de uma situação.
O medo provoca sensações, reações orgânicas, e a atenção, demasiadamente voltada para tais sensações, aumenta o medo. Forma-se um círculo fechado, onde as sensações provocam mais medo e o medo provoca mais sensações, o resultado é um medo em intensidade exageradamente forte, que impede a pessoa de viver, que a leva a crer que poderá ser acometida de morte súbita.
Há casos em que o caminho inicial é o tratamento médico, a medicação. Há casos em que a intensidade ainda permite tratar a questão de outra forma, provocando um processo de reflexão sobre a situação e sua posição nela. O mesmo se aplica a alguns casos de depressão.
Diagnóstico de depressão pode ser confundido com tristeza e ansiedade
Conforme o médico e Dr. em filosofia Cláudio Banzato – em sua apresentação no Congresso Internacional de Filosofia da Psicanálise, ocorrido em setembro na UFSCAR-SP, a maioria dos casos diagnosticados como depressão não são, de fato, uma depressão. São, em grande parte, casos de tristeza ou ansiedade diante das questões da vida, que poderiam ser tratados avaliando a questão e os posicionamentos que se tem diante dela. Tristeza, ansiedade, medo e várias outras formas de emoção podem ser fontes de grandes mudanças, de crescimento existencial.
“O que eu faço com o medo?”
É, então, uma questão que precisa ser verificada em cada caso, mas na maioria deles é possível encontrar mecanismos para lidar com os medos, tornando-os formas positivas de cuidado e cautela, mas não impedimentos à existência.
E você, o que faz com seus medos?
Já avaliou o quanto eles lhe são importantes ou o quanto eles lhe impedem de ser o que é?
Já pensou na possibilidade de controlá-los? Já se certificou se eles, de fato, lhe são necessários? De que você tem medo? Qual o significado desse medo na sua vida?
Referências Bibliográficas
BANZATO, C. O Conceito de Transtorno Mental. In II Congresso Internacional de Filosofia e Psicanálise. São Carlos, 24 a 28 de setembro de 2007. Coord. Geral: Richard Theisen Simanke.
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, Cia das Letras: 1996.
DESCARTES, R. As Paixões da Alma. (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1973.