por Roberto Goldkorn
Assisti a um filme nacional recentemente cujo título era Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo (Dir. Hugo Carvana 2011), que era o "mantra" do personagem principal, um trambiqueiro patológico. Surpreendentemente tudo acaba dando certo no final.
Fui partidário durante muitos anos da teoria segundo a qual as frases ou palavras que adotamos para timbrar aspectos da nossa vida, acabariam por remodelar esses aspectos da nossa vida. Por exemplo, se uma pessoa ao ser perguntada como estava indo respondia invariavelmente em tom resignado: "na luta", veria aos poucos sua vida se transformar numa sucessão de batalhas – até em suas férias acabaria encontrando motivos para lutar, opositores, cenários de guerra, armas, etc.
Uma mulher que não teve muita sorte nos relacionamentos costumava decretar: "em questão de homens eu tenho um dedo podre!" E veria apodrecer todos os relacionamentos que tocava, numa versão bizarra do Rei Midas.
Mas hoje não penso mais assim, ou pelo menos não dessa forma animista e mágica. Continuo acreditando no poder dos mantras pessoais que repetimos ao longo da vida, ou que ouvimos serem repetidos a nosso respeito pelo menos durante nossa infância e juventude. Acredito que as palavras insistentemente proferidas (e sempre carregadas de energia emocional) podem sim ser programadoras. Onde foi então que mudei meu pensamento?
Mudei ao perceber eu as palavras por si só são veículos, são formas, que carregam conteúdos – basicamente energia. As palavras são texto, que carregam contextos e rebocam (eventualmente) subtextos.
Outro dia assisti a uma socióloga na TV dizer que muito do preconceito e das posturas discriminatórias são camufladas em linguagem (ou tom) afetivo. Chamar a mulher de minha vaquinha querida, por exemplo num tom de voz "carinhoso" ou fazendo biquinho seria apenas um disfarce perverso para uma agressão. Se a mulher se sentir agredida, resta uma ampla porta ao agressor para se defender dizendo que estava "brincando", que tapinha de amor não dói, e até aproveitar para dizer: "Tá vendo, você não tem humor, não sabe brinca,r etc."
Tirando o caráter excessivamente rígido dessa alegação, ela tem toda razão. As palavras podem ter contextos e subtextos ocultas na entonação e na intenção muitas vezes oculta na "máscara" social.
Quantas vezes respondemos a um superior autoritário e injusto: "Sim senhor. O senhor tem toda razão." Quando na verdade o que estamos dizendo em nossa mente e coração é: "Vá pros quintos do inferno, seu cretino, imbecil".
A mente humana é de tamanha complexidade que nem mesmo sabemos o quê ela é, onde fica, de que é composta, como funciona e se realmente existe ou tudo não passa de circuitos neurais – química e eletricidade.
Acredito no poder programador das palavras sim, mas sei que até que as palavras cheguem aos seus destinos, sejam eles quais forem, passam por uma série de "estações", tantas quantas forem produzidas pela sofisticação (saúde, doença, condicionamentos) da mente/cérebro do indivíduo.
Em cada estação dessas – cada uma com seus próprios condicionadores – essas palavras serão modificadas, vestidas, despidas, adornadas, deformadas, associadas a outras mais fortes e assim chegam ao seu destino final para aguardar serem reforçadas ou abandonadas.
Quando o personagem do filme citado lá em cima diz sempre rindo e com uma autoconfiança de demente: "Nada vai dar certo", está na verdade brincando e buscando o contrário, porque mesmo os loucos querem que tudo dê certo. É o mesmo mecanismo que os atores de teatro adotam antes de entrar em cena. Nos EUA eles desejam uns aos outros: "Break your leg!" (quebre a sua perna) e no Brasil: "Merda para você".
Repetir mil vezes o mesmo mantra, não vai torná-lo realidade. A realidade tem seus próprios propósitos e esquemas. Assistindo a um filme sobre a vida de dois lutadores de periferia, um deles falou: "Eu não vou bater (desistir) se o adversário quiser me vencer vai ter de me apagar". Ele se convenceu disso. Na cabeça dele desistir era uma ideia impensável. Mas chegou a hora da luta e o que aconteceu? Exatamente isso: seu adversário o pegou num armlock (um tipo de chave de braço) e ele "bateu".
Continuo acreditando na importância de elegermos mantras positivos, para serem repetidos ao longo da vida, continuo acreditando que devemos tomar muito cuidado com palavras ou frases que adotamos, pois podem ter sido herdadas de nosso pais e assim estarem deslocadas da função original ou defasadas do tempo em que foram criadas. Isso sem dúvida pode nos prejudicar, nos deixar desconfortáveis como quem usa uma roupa de alguém muito maior ou muito menor, ou até completamente fora de moda.
Mas usar as palavras ou frase positivas e luminosas deve ser sempre acompanhado de intenção positiva e luminosa e nunca ser padronizada. Usar a mesma frase seja para um batizado, seja para um velório é estar engessado e perder a flexibilidade e o jogo de cintura que a vida requer.
Precisamos nos lembrar sempre disso: as palavras são veículos, embora o veículo seja superimportante, quem ele carrega é a sua própria razão de existir e a razão do seu destino final.