Para onde a soberba pode te levar?

O que está por trás da soberba e como alguém pode levar a vida crendo-se acima das condições da existência? Entenda como essa atitude pode, inclusive, te levar à autodestruição.

Chegou-me ao conhecimento uma história que, se não é totalmente verdadeira, bem que poderia ter sido. Ela possui as características necessárias para ser digna de fé como uma boa história sobre os seres humanos. Talvez não tenha sido exatamente assim, como vou contar. Mas é suficiente que ela possa ter ocorrido nos nossos dias.

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Era uma vez uma menina de 9 anos de idade, diabética, cujo pai também o era. Não apenas ele era diabético como já havia sido internado repetidas vezes em função das complicações provocadas pela doença. Mais de uma vez ele havia desmaiado, mais de uma vez havia sofrido as consequências desse desequilíbrio no processamento do açúcar pelo organismo, mais de uma vez havia sido conduzido aos hospitais.

O que é marcante nesse caso é a total indiferença à doença por parte do pai. Como se sabe, a diabetes pode ser controlada através de uma dieta que minimiza os efeitos e permite que a pessoa leve uma vida praticamente normal. Para isso, é necessário seguir à risca o regime alimentar. Se trata basicamente de uma adaptação a uma alimentação bastante diferente daquela que nós, supostamente saudáveis, comemos no nosso dia a dia. A diabetes exige capacidade de adaptação a limitações orgânicas.

Entretanto, ele não seguia qualquer dieta. Permanecia se alimentando como se não tivesse diabetes e não admitia fazer qualquer tipo de sacrifício a esse respeito. Preferia correr os riscos das complicações a fazer concessões à doença. Como o pai procedia assim, isso tornou impossível que a filha também seguisse qualquer tipo de dieta. Ele não apenas não ajustava o seu comportamento à situação do seu corpo como impedia a filha de fazer os ajustes necessários. Não se tratava somente de fornecer um exemplo de conduta. Se tratava de que ele intervinha sempre que a menina tinha que abdicar de determinado tipo de alimento, impedindo a observância do controle alimentar.

Inflexibilidade e soberba

Acredito que essa pequena história ilustra um certo padrão de conduta que tem se manifestado com maior intensidade nos últimos tempos. Não me refiro à nossa relação com alimentos ou mesmo com as recomendações científicas sobre como proceder nas nossas vidas. Refiro-me à inflexibilidade, à falta de disposição para alterar um comportamento claramente contraditório com a manutenção biológica do ser humano.

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Afinal, o que conduz alguém a crer-se acima das condições da existência? O que leva alguém a se tornar arrogante e soberbo a ponto de adotar padrões de conduta suicidas?

Talvez estejam faltando as condições pedagógicas básicas. Afinal, nós aprendemos a viver no mundo. Nós não nascemos sabendo o que fazer. E se estamos nos tornando soberbos talvez isso se deva ao fato de não ter experimentado nenhum tipo de situação em que tenha sido necessário adaptar-se. E o que nos ensina a capacidade de adaptação é sempre uma situação limitadora. Aquilo que nos diz que algo é impossível e está fora de nosso alcance é justamente o que nos constrange a alterar nosso comportamento e criar novos modos de viver, de nos relacionarmos, de amar, de comer etc.

Se o conteúdo dessa história ilustra uma situação de ampliação da soberba é porque o modo como temos vivido não provoca em nós necessidades de alterações de comportamento. Não me refiro aqui a uma suposta complacência pedagógica que se atribui à nossa época. Me refiro ao fato de que nem mesmo os adultos – já educados – sentem necessidade de conformar-se a novas situações de vida, a condições para as quais o comportamento existente não gera os resultados esperados, às novidades.

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A soberba é a afirmação de que não estamos dispostos a negociar com o mundo

Me espanta que o conforto e a segurança, a previsibilidade da vida, a rotina, a racionalização e o bem-estar possam conduzir à emergência do comportamento soberbo. Esse que é, talvez, a forma mais destrutiva de ação humana, já que não permite a novidade e se torna autodestrutiva. A soberba é a afirmação de que não estamos dispostos a negociar com o mundo – algo que parece ser um requisito da vida e da inteligência.

Sem inteligência, sem flexibilidade não iremos muito longe porque perdemos a capacidade de nos deslocarmos em um mundo diverso e rico. Sem desenvolver em nós a capacidade de adaptação ficaremos exatamente onde estamos. A menina de 9 anos teve os dois pés amputados devido às complicações da diabetes.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie