Por que a notícia foi substituída pela fofoca

Entenda por que a notícia vem sendo substituída pela fofoca e por que cada vez há menos espaço para análises de conjuntura

Não sei se outras pessoas possuem a mesma percepção, mas me parece que vivemos em uma época em que a notícia vem sendo substituída pela fofoca. Cada vez menos há espaço para análises de conjuntura, para explicações gerais sobre eventos que seriam significativos para um conjunto de pessoas, para as nações ou para povos. Por outro lado, cada vez mais nos ocupamos com o lado humano envolvido nos eventos. Esse lado diz respeito ao modo como as pessoas sentem o que lhes acontece, à maneira como reagem ao que ocorre à sua volta.

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Trata-se, aparentemente, de uma mudança na nossa sensibilidade, no foco com o qual prestamos atenção ao mundo e às pessoas. Nos interessa saber, cada vez mais, como cada pessoa se sente com relação à guerra, aos eventos políticos, à queda de um avião, à vitória ou derrota de uma equipe etc. Nossa atenção parece cada vez mais interessada pelos aspectos pessoais e menos pelas características gerais dos fenômenos.

Em um ambiente assim, tudo o que interessa são as reações de cada um, a oscilação psicológica dos personagens envolvidos, as sensações, as emoções, as inclinações. O que nos interessa na Guerra da Ucrânia não é tanto o conflito de duas forças políticas opostas – o fenômeno geral – mas a rotina dos combatentes, a destruição de cada quarteirão, a situação de cada pessoa perdida em um jogo de forças muito maior do que elas. Ou seja, nos interessa a personalidade da guerra, o que ela causa na vida das pessoas. Mesmo quando pensamos no protagonismo político dos líderes da guerra, imaginamos duas pessoas diferentes – em geral um malvado e um mocinho, como em muitos filmes de ação.

Por que a notícia foi substituída pela fofoca

Nesse sentido, podemos falar da substituição da notícia pela fofoca como uma característica do nosso tempo. A despeito do que esses termos possam significar, isso não deve parecer uma crítica ao que acontece. Afinal, se as pessoas estão mais interessadas em fofoca do que em notícia não é por que são mais estúpidas do que éramos antes. Se trata, isso sim, de uma mutabilidade na sensibilidade, de uma alteração no sistema de valores que faz com que nós prestemos mais atenção nos aspectos pessoais do que nos universais dos eventos.

A fofoca não é menos relevante que a notícia – é o que quero dizer. A fofoca, o mundo descrito a partir de uma ótica particular em que o determinante são relações pessoais, é um mundo dotado de sua própria lógica. Isso não significa que seja um mundo pior ou melhor. Se trata certamente de um mundo em que as pessoas estão atentas para determinados aspectos de tudo aquilo que acontece. Esse mundo possui seus próprios problemas e deverá criar suas próprias soluções, pelo menos até que uma nova mutação de nossas sensibilidades indique outra direção.         

Para nós que vivemos em uma época em que essa mutação ocorre, o importante é não resvalar para o lugar comum da crítica por incompreensão. Isto é, daquela crítica que é feita tendo os olhos colocados em um mundo que não existe mais: o mundo das notícias. Se o relevante são os detalhes pessoais, isso quer dizer que é dessa perspectiva que devemos tentar uma compreensão nova dos eventos, dos problemas e das soluções. Quem se rebela contra o mundo da fofoca, se rebela contra o mundo. E isso parece pouco promissor, além de genérico.

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie