Por que estamos proibidos de sermos isentos?

Proibido ser isento: é a hora e a vez do radicalismo nos tempos atuais; entenda

Não existe nada mais inapropriado e fora de propósito no mundo contemporâneo do que não possuir opinião formada sobre alguma coisa. Não saber se pronunciar sobre um assunto implica na pior das possibilidades: ser aliado dos poderosos, dos corruptos, dos desonestos e concordar com tudo o que há de ruim nesse planeta. Talvez isso ocorra porque declarar-se ignorante seja um pecado na sociedade do conhecimento: uma forma de vida em que as informações sobre qualquer coisa estão disponíveis.

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Ser isento ou neutro tornou-se uma espécie de palavrão

Seja como for, o fato é que não conseguir adotar um dos lados em uma disputa já é compreendido como aliança com o que há de pior no mundo. Ser isento ou neutro tornou-se uma espécie de palavrão. Em breve estaremos nos xingando com esses termos. O problema é que eventualmente não é possível ter mesmo uma opinião formada sobre algo. Nesse caso, faz mais sentido omitir as dúvidas do que confessar-se ignorante.

Ser ignorante é um dos princípios da cultura científica. Somente quem se confessa em dúvida pode verdadeiramente procurar conhecimento. Então, para esse tipo de mentalidade ligada à ciência é até mesmo virtuoso fazer um esforço para prolongar a dúvida, lutar seriamente contra nossa propensão a ter convicções sólidas, cultivar a incerteza para, que dela, surjam verdades mais vigorosas no futuro.

Então, tudo indica que temos uma contradição: de um lado a atividade científica nos impulsiona a adiar ao máximo a consolidação das certezas. Do outro lado, no nosso dia a dia, na nossa convivência com outras pessoas no trabalho ou no lazer se valoriza a convicção, o posicionamento forte, a tomada de posição política sobre os assuntos que nos afligem.

A necessidade de ter convicções está claramente em rota de colisão com discussões lentas, com o amadurecimento gradual da opinião, com a prudência. Na verdade, se trata de que a política tornou-se uma espécie de oxigênio do mundo contemporâneo. Isso porque todas as coisas se tornaram políticas ou, se preferirmos, isso decorre da fragmentação da política em direção a todas as nossas ações. E parece que a política esteja levando a melhor sobre a ciência.

A expansão da política está inter-relacionada ao efeito manada

De certa forma, essa expansão da política faz sentido. Afinal, quando cada um de nós age de uma determinada forma, isso também envolve um convite ou um exemplo para que todos os demais façam a mesma coisa. É uma espécie de imitação crônica dos seres humanos: quando um boceja, os outros também começam a bocejar. Quando pego uma sacola e vou à feira, estou sugerindo que as demais pessoas também peguem uma sacola para fazer o mesmo. Não se trata de que eu queira que todos possam ir à feira. Se trata de que todos que me veem ir à feira recebem essa sugestão. É como se um comportamento se tornasse possível e normal para os outros porque eu o realizei.

Então, realmente tudo é político. Porque mesmo que a gente não queira, quando agimos estamos convidando os demais a agirem do mesmo modo, estamos tornando um tipo de comportamento possível para outras pessoas. E se tudo é político, então não ter opinião formada também é uma posição política – a pior delas. De fato, nesse contexto a ignorância é entendida como uma péssima posição política justamente porque não está comprometida, não mobiliza, não manifesta energia, não mobiliza os demais. E imagino que não ter energia seja o que há de mais distante da ação – e, portanto, da política.

Cada vez mais é necessário emitir uma opinião

O resultado do avanço da política sobre todos os aspectos de nossa vida é que cada vez mais cedo, cada vez mais, é necessário emitir uma opinião e mostrar-se convicto de algo – se você não quiser parecer um filho da puta de um isentão. E quanto mais rápido assumimos e emitimos uma opinião, mas provável é que cometamos erros. Isso simplesmente porque não tivemos o tempo necessário para nos informarmos sobre o assunto, para ponderarmos, para avaliarmos e até para exercermos aquele exercício de prudência contra nossas próprias convicções. Mas na política o pior erro é não mobilizar e não estar errado.

Essa tendência, se continuar na sua marcha atual, deve conduzir a todo tipo de extremismo. Nada de muito estranho, já que somos pressionados a tomar partido, antes mesmo de sermos capazes de avaliar as possibilidades. A demora em tomar uma decisão é entendida como pior do que mostrar convicção. Logo, o que importa é hastear uma bandeira com a máxima urgência.

O radicalismo é, cada vez mais, uma virtude. Parece que vou ter que aguardar até que a ignorância seja valorizada…

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie

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