Por que sofro tanto?

Afinal, sofro pelo que vale a pena? Sofremos demais por aquilo que é de menos. O sofrimento é inerente aos acontecimentos da vida, e portanto, tornou-se objeto de estudo em várias frentes.

Perdemos boa parte da vida com sofrimentos desnecessários, resultados de nossos desajustes e até falta de sabedoria. Ao nos acostumarmos com esse tipo de sofrimento, vamos perdendo nossa habilidade em identificar os chamados que a vida nos faz e oportunidades incríveis, justamente porque atrofiamos nossa capacidade de administrar os problemas. Invertemos a ordem e a importância das coisas. Sofremos demais por aquilo que é de menos.

Disse o filósofo Spinoza: “Percebi que todas as coisas que temia e receava só continham algo de bom ou de mau na medida em que o ânimo se deixava afetar por elas”.

O sofrimento é inerente aos acontecimentos da vida, e portanto, tornou-se objeto de estudo em várias frentes. Até hoje, a filosofia tem se empenhado profundamente em compreender o sofrimento e suas causas mais profundas. Já a teologia esteve focada em apurar a problemática da Revelação de Deus, com sua busca incansável por respostas sobre o sofrimento humano. Sob a ótica da medicina, o corpo sofre a dor física. Por fim, a psicologia sempre ofereceu caminhos que aliviassem o peso de nossas angústias. A verdade é que, no fundo, buscamos algo bem mais simples: uma reflexão que nos forneça uma forma de acolher os sofrimentos que nos afligem, sem permitir que eles nos destruam ou nos retirem a vontade de viver.

Não negue o sofrimento

Quando o sofrimento bater à sua porta, abra. Resistir ou negá-lo é apenas um jeito de fugir do que mais cedo ou mais tarde você terá que enfrentar. Os sofrimentos se dão no percurso dos acontecimentos que nos envolvem. Eles fazem parte da vida. São naturais, pois pertencem à ordem das coisas que nascem espontaneamente.

O filósofo Schopenhauer, em um de seus ensaios, faz a seguinte pergunta: “Como é possível que o sofrimento que nem é meu e nem me interessa me afete de imediato como se fosse meu com a força a tal ponto de impedir-me à ação?” Para ele, o contato com o sofrimento do outro nos recorda quem somos. Ao encontrar o outro e sua precariedade, nele descubro a minha verdade fundamental, minha condição expressa e viva em toda criatura. É o tecido que envolve a vida.

A condição de seres inacabados também é um fator que nos remete ao sofrimento. O ser humano é o ser vivo mais incompleto. Tal incompletude nos expõe a muitos sofrimentos naturais, próprios de quem precisa de cuidados para sobreviver. Sofrimentos nascem de limites. Toda vez que precisamos lidar com tudo o que não podemos é natural que sejamos acometidos por sofrimentos.

Podemos compreender o conceito de limite como fronteira. Fronteiras podem representar o fim, como também o início.
É comum estarmos vivenciando algum momento que poderia ter representado o fim – pelo menos naquele instante – mas que se transformou em início. Tudo depende de como interpretamos.

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Momentos em que teríamos tudo para desistir, mas que se transformaram em impulsos para novas iniciativas somente porque enxergamos de outra forma. A vida é uma constante experiência de limites, ou seja, de fronteiras. Estamos em êxodos intermináveis, passagens que realizamos todos os dias.

Portas que se fecham, outras que se abrem. Oportunidades que terminam e outras que começam. Olhar para o que não podemos e nisso permanecer pode, de alguma forma, prender-nos ao maior de todos os limites.

Por que sofro tanto?

Sofremos por diversas causas e motivos. Às vezes, os sofrimentos físicos, psíquicos e mentais acontecem juntos. Às vezes, separados. Sofremos porque somos limitados. O que não podemos é transformar o fato de termos limites numa limitação ainda maior. Saber-nos limitados é apenas um jeito de acolher tal condição. A psicologia nos ensina que negar uma realidade tende a torná-la ainda mais torturante e opressiva.

O sofrimento e suas diversas expressões, bem como a consciência do limite, afligem tanto a existência humana que, na fuga para escapar dessa realidade, nos conectamos à lógica da velocidade. Essa lógica nos coloca diante da inviabilidade de estruturar saudavelmente o tempo e a sua gestão que tanto compromete a promoção da vida.

O sofrimento não me atemoriza,
toda dor pede para ser curada.
Que me venha o susto das ausências…
E das palavras sem perfume,
acharei um lugar para elas
no meu jardim.

Maria do Céu Formiga é psicóloga, escritora Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, (ocupando a cadeira de Mario Quintana) e aquarelista. É pós-graduada em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Religião. É consultora autônoma, coordena cursos e workshops. Realiza palestras e trabalhos em simpósios e congressos nos seguintes países: França, Inglaterra, Cuba, Israel, Chile e Estados Unidos. Mais informações: www.mariadoceuformiga.com.br