Pra que, por que e para quem se engajar?

por Roberto Santos

Em recente matéria publicada na Folha de São Paulo http://classificados.folha.uol.com.br/empregos/2014/06/1475539-fazer-mais-do-que-o-prometido-pode-nao-dar-em-nada-no-trabalho-diz-estudo.shtml), um artigo publicado no jornal americano de Ciência da Personalidade e Psicologia Social, seu autor Alyelet Gneezym da Universidade de San Diego e Nicholas Epley da Escola de Negócios da Universidade de Chicago, com base em uma pesquisa, concluíram resumidamente que fazer mais do que o prometido pode não resultar em nenhum resultado ou reconhecimento adicional em relação àquelas pessoas que entregam apenas o prometido.

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Segundo Epley, as promessas funcionam como contratos verbais. Se alguém promete algo, o outro espera que aquilo vai ser entregue, sem mais nem menos. Na mesma linha, uma matéria do Globo News em Pauta, o jornal concluiu que o importante é o valor que o funcionário agrega e não quantas horas ele/ela trabalha ou quanto entrega além do prometido.

Onde estaria a verdade? Afinal, vale a pena o empregado fazer aquele esforço adicional por sua empresa? E as empresas, vale a pena contratar pessoas que entrega aquele algo a mais pela "camisa" de seu empregador ou se entregarem o prometido já está ótimo?

Desde que o mundo corporativo descobriu há mais de duas décadas que a satisfação dos empregados implica em melhor serviço ao consumidor que indiretamente implica em mais vendas e lucros, as empresas nunca investiram tanto em pesquisas de clima e de engajamento. As famosas e múltiplas listas anuais das Melhores Empresas para se Trabalhar e similares não surgiram por que um dia os empresários acordaram e resolveram tornar seus locais de trabalho num paraíso terrestre. Os múltiplos benefícios e serviços de "concierge" nas empresas como se fossem hotéis de luxo, não foi devido a um surto altruísta dos empresários, mas sim uma decisão bem pensada de como ter sua força de trabalho mais satisfeita para se conseguir um resultado melhor para seus acionistas.

O que a citada pesquisa aborda tem a ver com a tendência de as empresas pesquisarem e buscarem desenvolver o nível de engajamento de seus funcionários – aquela disposição que vai além da opinião positiva sobre a empresa e de satisfação em trabalhar nela. Funcionários engajados têm orgulho da camisa que vestem, defendem a marca e tudo relacionado a seu empregador, não pensa em sair da empresa e, em última instância, "percorre aquele quilômetro adicional", ou dá aquele algo a mais pela empresa – ou seja, exatamente na linha do artigo citado, entregam algo a mais além do prometido.

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Então, onde estaria a verdade? Se os funcionários não recebem nada extra em troca de darem aquele algo a mais em seu trabalho, poderíamos dizer que o engajamento não existe ou onde há, estaria em extinção? Existe um motivo maior para que os trabalhadores se engajem mesmo quando não recebem nada diretamente em troca daquele "algo a mais"? Quais os fatores estão envolvidos nessa relação de troca?

Por que as pessoas se desengajam?

Pesquisas da Gallup, líder mundial no ramo, tem estudado o engajamento de funcionários por meio de uma "tomada de pulso" de 12 questões para saber o que determina o (des)engajamento das pessoas no mundo do trabalho. Talvez não seja surpresa para quem já teve vários chefes, aquela máxima que diz que "as pessoas não deixam as empresas, elas deixam os chefes. Isto faz com que o número de funcionários desengajados seja o dobro daqueles ativamente engajados em seu trabalho.

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Segundo o Prof. Robert Hogan, psicólogo norte americano, especialista em Psicologia da Personalidade e Liderança que já citei em artigos anteriores, estima, há duas décadas que 55% a 65% dos gestores são incompetentes. Obviamente, esta sua declaração foi amplamente rechaçada no início, mas quando as pessoas fazem suas próprias avaliações acabam por concordar com ele. Exceto por aqueles muito afortunados ou que ainda não tiveram muitos chefes.

De fato, costumamos encontrar muito mais literatura sobre as incompetências gerenciais do que o oposto. Atualmente, pode-se encontrar sites que permitem à comunidade das vítimas de "chefes-mala-sem-alça", trocarem dicas sobre como lidar com eles ou elas. Existem fóruns de discussão, dicas de leitura e até a possibilidade de um exorcismo virtual do chefe para deleite vingativo dos sofredores.

As pesquisas mais recentes da Gallup, indicaram em ordem de impacto sobre o engajamento ou desengajamento:

1. chefe ou supervisor (motivo citado com maior frequência)
2. falta de controle sobre o trabalho
3. más decisões pela alta gerência
4. problemas para se trabalhar em equipe
5. a companhia
6. política corporativa
7. as pessoas não assumem a responsabilidade pelos resultados

Se refletirmos sobre esta lista, vemos em último lugar, os empregados no banco dos réus e em primeiro, o chefe. Ainda que possa se atribuir uma nova ordem mundial muito associada à Geração Y (aqueles nascidos no início da Década de 80, que não têm mais o mesmo nível de dedicação a seus empregadores, vemos que o número 1 da lista pode ter uma forte influência bem direta em pelo menos 5 dos sete fatores pesquisados. O quanto que o item 7 é determinado por uma nova relação dos jovens com o trabalho ou pelo tipo de chefe que encontram pela frente em suas primeiras experiências profissionais é discutível, mas que o chefe pode pôr tudo a perder no tema engajamento não tem muito que se duvidar.

Numa postura científica, eu também fiz uma retrospectiva de minhas experiências com chefes diretos e indiretos, ao longo de minha carreira de quase 30 anos como empregado de grandes empresas. De fato, aquela estimativa do Dr. Hogan se confirmou. Eu também tive oportunidade de conhecer um número maior de incompetentes do que de bons líderes.

Certamente, aprendi muito com meus modelos positivos de liderança. No entanto, também recebi ótimos ensinamentos dos chefes-mala, valise ou sacola, alguns até sem fundo. Neste sentido, o exemplo negativo daqueles desprovidos de alça, também me ajudou muito a forjar meu estilo de liderança. A quem tiver interesse pela minha experiência, os links são: Incompetência gerencial em minha vida – Parte I e Incompetência gerencial em minha vida – Parte II

Entregar o algo mais: relação com o chefe é o termômetro

Mas se os pesquisadores americanos citados no primeiro parágrafo estão certos em sua conclusão, e ao mesmo tempo, estão certas as pesquisas Gallup e as observações do Dr. Hogan, e experiências pessoais como aquelas que relatei em minhas "memórias", qual é a chave para aquela relação em que vale a pena entregar o prometido – como regra básica – mas também aquele algo a mais? Segundo o Dr. Hogan, o chefe, se sua personalidade são os elementos diferenciadores nessa relação.

A pesquisa de Jim Collins que serviu de base para seu livro mais famoso "Good to Great", em que estudou inúmeras características de empresas que tiveram crescimento sustentável e significativo durante pelo menos 15 anos seguidos, concluiu que duas características de seu principal líder se destacavam nessas várias empresas – eram líderes incrivelmente persistentes e humildes. Se compararmos com os famosos líderes e gurus corporativos o que encontramos muitas vezes é algo bem diferente: líderes extremamente carismáticos, mas muito arrogantes tomando inúmeras iniciativas ao sabor da mídia para chamar a atenção que conseguiram sucessos estrondosos e depois descarrilam para o anonimato.

E então quais seriam as características dos líderes que teriam aquele poder de engajar o "exército" de trabalhadores de suas empresas para quererem entregar algo além do prometido que agregue valor, sem esperar algo em troca.

Em outras palavras, o que líderes eficazes podem conseguir em relação a seus colegas carismáticos mais incompetentes?

Atrair e reter membros talentosos e motivados para sua equipe, capazes de contribuir de maneira relevante à implementação de estratégias vencedoras, estas deveriam ser os requisitos básicos e essenciais para se contratar ou promover uma pessoa para ocupar um cargo de liderança. Mas qual seria a taxa de eficiência das empresas para se conseguir isso?

Quatro atributos do líder engajador

Segundo o Dr. Hogan, em palestra proferida em São Paulo em 25/06/2014 (veja aqui), um líder engajador possui 4 qualidades:

1. Integridade: honram seus compromissos, não têm favoritos no trabalho

2. Capacidade de Decisão: tomam boas decisões rapidamente

3. Competência: têm talento para o negócio e são bons no que fazem

4. Visão: propõem uma missão significativa para os liderados que é pautada pelo primeiro elemento – ética e integridade

Se pensarmos nos chefes que tivemos ou que conhecemos pelas lamúrias que escutamos de nossos colegas, não é muito fácil encontrarmos chefes que cumpram estes quatro quesitos. Temos chefes muito competentes tecnicamente, mas é só, não conseguem agregar suas equipes ou por não envolverem-nas em uma visão ou porque tem critérios duvidosos para promover seus "peixinhos". Outras combinações da falta destas qualidades podem servir para explicar por que as pessoas acabam não se engajando para entregar além do prometido, independente de receberem um reconhecimento externo. Não é à toa que um e-Book publicado recentemente pela Hogan Assessment Systems – "Então seu Chefe é um Idiota" atraiu tanta atenção.

Entretanto, para não nos limitarmos a um tom de desespero e crucificação do chefes, todos tivemos e temos superiores que têm ou se esforçam muito para ter aquelas quatro qualidades. Especialmente, quando um gestor mostra que tem integridade, no sentido mais amplo da palavra, e tem uma visão de para onde pretende levar a equipe, seus seguidores estarão muito predispostos a segui-los, entregando o prometido e aquele algo a mais.