Quais são as drogas que mais viciam?

Drogas que mais viciam: numa avaliação individual, por exemplo, é impossível dizer qual substância poderá gerar maior grau de dependência. No entanto, de modo genérico, o álcool é a substância com maior potencial para induzir quadros de síndrome de dependência. E a nicotina é frequentemente considerada a substância com maior potencial para indução de quadro de síndrome de dependência.

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“Vi uma matéria no El País que as 5 drogas mais viciantes seriam as seguintes, na seguinte ordem: 1ª Heroína, 2ª Cocaína, 3ª Nicotina, 4ª Barbitúricos e 5ª álcool. Gostaria de saber se há algum fundamento nisso e por que a maconha não entrou? Poderia ficar então mais tranquilo em relação ao poder viciante da maconha, que consumo de modo recreativo?”

Resposta: A síndrome de dependência às substâncias psicoativas apresenta tanto aspectos físicos quanto psicológicos. Ademais, não somente as substâncias, mas também vários fatores individuais e ambientais se combinam para tornar uma pessoa mais vulnerável ao desenvolvimento da dependência a uma ou mais drogas.

Embora vários autores tenham descrito “ranks” para as substâncias com maior ou menor potencial para induzir quadros de síndrome de dependência, isso pode não ser válido para todos os indivíduos. Por exemplo, na prática clínica diária, há pacientes que experimentaram álcool e cocaína, mas desenvolveram quadro de Síndrome de Dependência apenas ao álcool.

Outrossim, há pacientes que já usaram cocaína e maconha, mas apresentam problemas apenas com o uso de maconha e vice-versa. E também, há pacientes que experimentaram álcool e cocaína e apresentam problemas com ambas as substâncias.

Critérios para definir quais são as drogas que mais viciam

De qualquer forma, pesquisadores têm introduzido o conceito de “drogas com maior potencial para o desenvolvimento de uma síndrome de dependência”, considerando os seguintes fatores ou critérios:

a) Dependência

O conceito é baseado nas taxas de recaídas; na percentagem de pessoas que perdem o controle sobre o uso de uma substância versus de pessoas que simplesmente a usaram; registros sobre a necessidade de pessoas que já usaram uma substância e desejam usá-la novamente e com maior frequência e quantidade; dificuldade para cessar o uso da substância; grau em que uma substância é usada apesar dos prejuízos causados por ela (na vida pessoal, laboral, pessoal, familiar etc);

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b) Síndrome de Abstinência

Intensidade e gravidade dos sintomas físicos e/ou psicológicos advindos da parada ou redução abrupta do uso da substância;

c) Tolerância

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Necessidade do aumento da quantidade da substância consumida objetivando atingir os mesmos efeitos obtidos anteriormente;

d) Propriedade de Reforço da Substância

Baseado em estudos com humanos e animais, o reforço traduz a busca pelo uso da substância recorrentemente, muitas vezes em detrimento da busca por alimentos e de outras necessidades. O reforço pode ser positivo, ou seja, o indivíduo busca os efeitos prazerosos das substâncias; e o reforço pode ser negativo, ou seja, o indivíduo busca usar as substâncias para aliviar os sintomas da síndrome de abstinência ou mesmo para amenizar outros sintomas negativos;

e) Intoxicação

Avalia os efeitos imediatos da droga e a frequência com que usuários de substâncias atingem um estado de intoxicação.

Baseado nestes critérios, passo a discutir brevemente quão indutoras de quadros de síndrome de dependência são algumas das substâncias mais amiúde apontadas como fortemente “adictogênicas”.

Álcool etílico

O álcool é a substância com maior potencial para induzir quadros de síndrome de dependência

Dependência e Síndrome de Abstinência: Mirando apenas o número de pessoas dependentes de álcool, nós podemos chegar à conclusão de que o álcool é a substância com maior potencial para induzir quadros de síndrome de dependência. Segundo a American Society of Addiction Medicine, mais do que 17 milhões de americanos sofrem de problemas relacionados ao uso desta substância.

Contudo, deve-se levar em consideração quantas pessoas consomem bebidas alcoólicas em geral, dado seu estado legal de licitude e aceitabilidade social. Entre aqueles que beberam e se tornaram dependentes, a síndrome de abstinência tende a ocorrer e apresentar sintomas físicos bastante evidentes, variando de sintomas leves a graves.

Os principais sintomas da síndrome de abstinência ao álcool, segundo os critérios do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) são:

  • Hiperatividade autonômica (p. ex., sudorese ou frequência cardíaca maior que 100 batimentos por minuto);
  • Tremor aumentado nas mãos;
  • Insônia;
  • Náusea ou vômitos;
  • Alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias;
  • Agitação psicomotora;
  • Ansiedade;
  • Convulsões tônico-clônicas generalizadas.

Tolerância: Os usuários regulares de bebidas alcoólicas tendem a desenvolver tolerância. Isso significa que até mesmo pessoas que apenas fazem uso casual de bebidas alcoólicas podem sentir a necessidade de consumir maior quantidade do que anteriormente. Entre aqueles que desenvolvem quadro de dependência, a tolerância é notável.

Propriedade de Reforço do Álcool: Considerando uma escala de reforço, o álcool não deve estar no topo quando comparado à euforia provocada de forma imediata por outras substâncias, como a cocaína e heroína. Contudo, dado o potencial de induzir importante quadro físico de dependência (tolerância e síndrome de abstinência), a propriedade de reforço do álcool é maior do que drogas como a maconha.

Intoxicação: Pessoas tornam-se intoxicadas muito antes de atingir uma overdose. Os efeitos físicos e psicológicos da intoxicação pelo álcool são bastante variados, embora sejam bastante evidentes para quem observa o bebedor. Os principais sintomas da intoxicação pelo álcool, segundo os critérios do DSM-5 são:

  • Fala arrastada;
  • Prejuízo na coordenação psicomotora;
  • Instabilidade na marcha;
  • Nistagmo (movimentos involuntários dos olhos);
  • Comprometimento da atenção e memória;
  • Estupor e coma.

Nicotina

A nicotina é frequentemente considerada a substância com maior potencial para indução de quadro de síndrome de dependência

Dependência: Nicotina é frequentemente considerada a substância com maior potencial para indução de quadro de síndrome de dependência. Muitas vezes, esta informação surpreende muitas pessoas, tendo em vista que o uso de vários cigarros de nicotina não provoca quadros comportamentais significativos, como ocorre após o uso de cocaína e heroína, por exemplo.

Contudo, um alto número de pessoas que começam a fumar tornam-se dependentes, com significativa dificuldade para interromper o consumo, mesmo conhecendo as consequências físicas lesivas do uso continuado do cigarro. Estimam-se mais de 500.000 mortes anuais relacionadas com uso de cigarros, de acordo com o Centro de Controle de Doenças (Estados Unidos da América).

Síndrome de Abstinência: Com foco nos sintomas físicos, a retirada da nicotina provoca sintomas muito mais leves do que, por exemplo, a retirada do álcool ou da heroína. Os sintomas de irritabilidade, ansiedade e fissura são muito intensos e os mais proeminentes, mas não mantém o dependente na cama com dores pelo corpo.

Os principais sintomas da síndrome de abstinência de nicotina, segundo os critérios do DSM-5, são:

  • Irritabilidade, frustração e/ou raiva;
  • Ansiedade;
  • Dificuldades de concentração;
  • Aumento do apetite;
  • Inquietação;
  • Humor deprimido;
  • Insônia.

Tolerância: A necessidade de consumir mais cigarros desenvolve-se rapidamente. Usuários de cigarros de nicotina tendem a usar a droga múltiplas vezes ao dia, logo após o primeiro uso do dia. Quanto maior a quantidade de cigarros consumida, maior será a chance de desenvolver tolerância e síndrome de dependência e abstinência.

Propriedades de Reforço da Nicotina: Embora o uso da nicotina produza sensação de prazer, esta sensação não é a mesma explosão induzida por outras substâncias, como a cocaína/crack. Isso pode significar que muitas pessoas possam usar nicotina algumas vezes e manter este uso, na crença de que nenhuma anormalidade comportamental e/ou física possa ocorrer.

Intoxicação: Sintomas de intoxicação pela nicotina passam despercebidos pelo usuário.

Heroína

A síndrome de abstinência da heroína é um dos quadros mais dramáticos no campo das dependências químicas.

Dependência: Estima-se que mais do que 25% das pessoas que usam heroína desenvolvem quadro de síndrome de dependência. Dadas as propriedades farmacológicas da droga, as recaídas são frequentes e preocupantes, dada a alta taxa de mortalidade associada à overdose. A excitação provocada pelo uso da heroína pareada com o medo de sentir os sintomas da síndrome de abstinência contribuem para a relutância do dependente em interromper o uso.

Síndrome de Abstinência: Trata-se de um dos quadros mais dramáticos no campo das dependências químicas. Os dependentes de heroína, durante a retirada da droga, reportam dores significativas pelo corpo, sintomas gripais, taquicardia, sensação de arrepios frequentes.

De fato, poucos dependentes são capazes de interromper o uso da heroína sem auxílio médico altamente especializado. O uso de medicações para reduzir os sintomas da síndrome de abstinência é imperativo. Sem o uso de medicações específicas para tratar os sintomas da síndrome de abstinência, a taxa de sucesso para a retirada da droga é menor do que 5%.

Síndrome de Abstinência: Estes sintomas costumam ser insuportáveis necessitando de intervenção médica especializada.

Os principais sintomas da síndrome de abstinência de opioides, segundo os critérios do DSM-5, são:

  • Irritabilidade;
  • Náuseas ou vômitos;
  • Dores musculares;
  • Lacrimejamento e coriza;
  • Pilo-ereção e sudorese;
  • Pupilas dilatadas;
  • Diarreia franca;
  • Bocejos;
  • Febre;
  • Insônia;
  • Alterações da pressão arterial e frequência cardíaca.

Tolerância: Usuários de heroína desenvolvem tolerância à droga muito rapidamente. Alguns pacientes reportam que nunca conseguem atingir o mesmo grau de euforia e sensação de orgasmo provocados pelo primeiro consumo de heroína. Outros pacientes acabam por associar a heroína com outras substâncias, como a cocaína (Speedball) para tentar atingir o máximo prazer.

Propriedades de Reforço da Heroína: Devido à intensa euforia experimentada pelos usuários, os níveis de reforço positivo são muito elevados. Outrossim, devido aos graves sintomas da retirada da droga, os níveis de reforço negativo também são altos. Na prática clínica, pacientes tendem a reportar que continuam a usar heroína imediatamente após o término do efeito da dose anterior, aumentando dramaticamente a gravidade da dependência.

Intoxicação: Os sintomas da intoxicação por heroína são extremamente preocupantes, especialmente nos casos de overdose.

Os principais sintomas de intoxicação, segundo os critérios do DSM-5, são:

  • Euforia, seguida por apatia, agitação ou retardo psicomotor, julgamento prejudicado;
  • Pupilas contraídas;
  • Fala arrastada;
  • Prejuízo na atenção;
  • Prejuízo na memória;
  • Torpor e coma.

Cocaína

Efeitos de euforia e desinibição causados pela cocaína são significativos para causar dependência

Dependência: Embora as propriedades da cocaína para causar dependência sejam significativas, dados seus efeitos de euforia e desinibição, as taxas de dependência desta droga são bem menores do que as taxas de dependência para álcool e nicotina.

Síndrome de Abstinência: Embora os sintomas psicológicos da síndrome de abstinência de cocaína sejam proeminentes, existem poucos sintomas físicos como no caso da heroína e álcool.

Os principais sintomas da síndrome de abstinência de cocaína, segundo os critérios do DSM-5, são:

  • Fadiga;
  • Sonhos vívidos e desagradáveis;
  • Insônia ou aumento do sono;
  • Aumento do apetite;
  • Retardo ou mesmo agitação psicomotora.

Tolerância: Embora a tolerância tende a se desenvolver entre usuários de cocaína, a velocidade e a intensidade tendem a ser menores do que nos casos da heroína e nicotina. Talvez isso justifique as taxas menores de síndrome de dependência quando comparadas às taxas de síndrome de dependência para o álcool e nicotina.

Propriedades de Reforço da Cocaína: Já as propriedades de reforço para o uso de cocaína são consideravelmente preocupantes. O prazer induzido pela substância, bem como a sensação de alta energia e de invencibilidade são ingredientes propícios para as recaídas. Os sintomas da suspensão da droga, como fadiga e perda de energia, motivam fortemente o usuário ao próximo consumo.

Intoxicação: Os sintomas de intoxicação são evidentes, mas podem passar despercebidos por terceiros, o que não ocorre na intoxicação por álcool e heroína, por exemplo.

Os principais sintomas da intoxicação por cocaína/crack, de acordo com os critérios do DSM-5, são:

  • Taquicardia ou bradicardia;
  • Pupilas dilatadas;
  • Alteração da pressão arterial;
  • Transpiração e calafrios;
  • Náuseas ou vômitos;
  • Evidência de perda de peso;
  • Agitação ou retardo psicomotor;
  • Dor torácica;
  • Arritmias cardíacas;
  • Depressão respiratória;
  • Confusão mental;
  • Convulsões;
  • Coma;
  • Movimentos involuntários anormais.

De uma forma geral, cerca de 24 milhões de americanos deveriam estar sob tratamento para combater as síndromes de dependência às substâncias psicoativas, conforme dados no National Institute on Drug Abuse (NIDA). Considerando as informações acima transcritas, se você sobrepesar os dados de prevalência, nicotina e álcool serão as substâncias mais “aditivas”. Entretanto, se você sobrepesar a intensidade dos efeitos do uso, as propriedades de reforço e o rápido desenvolvimento da tolerância, a heroína será a substância mais “aditiva”.

Em uma avaliação individual, por exemplo, será impossível dizer qual substância será a maior indutora de uma síndrome de dependência. Uma pessoa pode ter efeitos adversos imediatos quando experimentam a cocaína, por exemplo, o que poderá evitar uma próxima experimentação e consequentemente o desenvolvimento de uma síndrome de dependência. Ao mesmo tempo, esta mesma pessoa pode sentir efeitos prazerosos quando experimenta nicotina, colocando este indivíduo em maior risco para voltar a usar.

Existem muitos fatores individuais e ambientais que colocam uma pessoa em risco para o uso regular e dependência de uma determinada substância psicoativa. Fatores genéticos, transtornos mentais subjacentes, rede de amigos, metabolismo etc combinam-se para organizar um terreno mais fértil ou infértil para o desenvolvimento de uma síndrome de dependência. De qualquer forma, como nós não conhecemos toda a nossa genética e metabolismo, todos estamos em risco de usar uma e de abusar de alguma substância, seja ela taxada como muito “adictogênica” ou pouco “adictogênica”. O segredo é não usar. Respeite-se!!!

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.