Seu amigo não está emocionalmente bem? Saiba como lidar…

Não estar emocionalmente bem, dependendo da intensidade dessas emoções, pode envolver inclusive algum tipo de transtorno mental

Pense nas seguintes situações, se há meses seu amigo já não é mais o mesmo, pois ao telefone ao se falarem, você percebe que ele está triste, apagado, desanimado, menos falante, ensimesmado em seus pensamentos, isolado e bloqueado. Ou talvez você o perceba inquieto, nervoso, hiperativo, com ansiedade, irritadiço e até comenta que está consumindo mais álcool.

Você leitor, pode até relativizar que é por causa da pandemia que ele está assim e concluir que é um comportamento típico desses tempos (e que tempos!). Mesmo com o avanço da vacinação contra a Covid-19, e os devidos cuidados incorporados à rotina, seu amigo se justifica que está com medo ou então fala sobre as restrições autoimpostas para não se encontrar… E o pior, você vai deixando e relevando.

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Mas mesmo com os números da pandemia se estabilizando, seu amigo marca um encontro e não aparece, mas caso consigam se encontrar, você percebe que ele não está bem, pois ele vê tudo com pessimismo. Ele diz que demora muito a se levantar, que está lento na produção do seu trabalho e que dorme mal. Ou então, ele deixa de atender às suas ligações.

O que deve-se evitar dizer para quem não está emocionalmente bem

Diante desses fatos, você pensa que precisa animá-lo e ai dispara um arsenal de recomendações. A mais comum é dizer que se tranquilize, que todos estamos em um mau momento; até mesmo contar seus problemas para mostrar que não é o único. Frequentemente dizemos que precisa lidar com as coisas de outra forma e que veja o lado positivo de sua vida. Frente a essas observações, seu amigo pode se mostrar ainda mais pressionado.

Não quero menosprezar esses conselhos clichês tingidos de otimismo e certa dose de infantilismo, que até podem ser úteis. Porém, se vistos pela perspectiva profissional científica, não têm boa reputação. Já que são vazios de conteúdo, e insistentes na possibilidade de mudar o problema por si mesmo, o que pode gerar expectativas ainda mais incômodas. Calma, não precisa se culpar, pois é difícil mesmo prestar atenção ao mal-estar de um amigo de quem gostamos de verdade e muitas vezes nos sentimos impotentes ao não saber como ajudá-lo, até porque não nos ensinaram como fazê-lo em uma sociedade cada vez mais individualista e virtual. Escutar não é fácil, mas podemos aprender a fazer isso melhor. Vai aqui uma pequena ajudinha.

Encontramos muitas definições de amizade na internet. Porém, fico com a definição de Aristóteles em seu livro “Ética a Nicômaco” sobre a amizade virtuosa. Ele diz que os verdadeiros amigos são os que se alegram por suas conquistas, mas também te acompanham e sabem escutar suas angústias, medos, frustrações e fracassos. O autor identifica mais dois tipos de amizade: por interesse e utilidade, e por prazer, que também são válidos, mas sobrevivem de modo pior com a passagem do tempo.

Seu amigo não está emocionalmente bem; saiba como lidar

Na prática os comportamentos virtuosos consistem em dizer ao nosso amigo que é válido o que ele sente. Que não está sozinho. Que vamos ouvi-lo com empatia. Que vamos escutar o que o preocupa sem sermos exigentes demais com os detalhes. Perguntar a ele o que precisa. Se percebemos que ele tem dificuldades em se abrir, não devemos insistir. Vamos manter a calma. Podemos ser mais ativos oferecendo-o ajuda com as coisas básicas da vida, mas sem sermos invasivos. Até mesmo propor a ele algum plano agradável para que se distraia e se sinta melhor; mas, ao mesmo tempo, dar espaço. É conveniente transmitir esperança em relação à possibilidade de se sentir melhor com o passar do tempo, e reconectá-lo com momentos agradáveis do passado em que superou circunstâncias adversas. Não é má ideia dar um passeio num parque ou fazer uma pequena excursão. Definitivamente, não pressionar, não julgar e estar disponível. Enfim, cultivar a verdadeira amizade também se trata disso.

Você, como amigo, tem o seu limite na capacidade de ajudar

Nunca devemos nos responsabilizar completamente pela saúde mental de outra pessoa. Não somos adivinhos e não sabemos se o sofrimento psíquico de nosso amigo é um mal-estar psicológico temporário próprio desses tempos ou é um verdadeiro transtorno mental. O melhor que podemos fazer, se notamos que o tempo passa e não há melhora, é ajudá-lo a procurar um profissional. O diagnóstico cabe a um especialista, que analisará mais fatores: a intensidade de suas emoções e se estas limitam suas ações.

A pandemia mostrou a importância das redes de apoio saudáveis no momento de enfrentarmos a incerteza e a adversidade. E essas redes vão muito mais além dos papéis de cuidador, designados tradicionalmente à família. O cérebro precisa dos outros para sobreviver. As amizades virtuosas ganharam mais protagonismo do que nunca e seu cultivo trará como consequência uma sociedade mais livre de preconceitos à saúde mental.

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Coordenador do serviço de atendimento a pacientes com tricotilomania no PRO-AMITI/IPq FMUSP. Supervisor clínico na UNIP. Psicólogo pela Universidade Metodista. Mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Especialização em Terapia Cognitivo-comportamental pelo Ambulim/IPq FMUSP. Especialização em Psicologia Hospitalar pela UNISA