Sonhar, imaginar e fantasiar

Quando a criança sonha, imagina e fantasia, ela compensa uma realidade insatisfatória, supera a adversidade, cultiva o lado positivo de sua personalidade, exercita sua criatividade e faz uma promissora antecipação do futuro

Para Carl G. Jung a fantasia é a força criativa do espírito humano. A fantasia não erra, pois é demais profunda e intimamente ligada aos fundamentos dos instintos humanos. A atividade criadora da força da imaginação libera o ser humano das suas amarras, elevando-o à categoria do lúdico, do brincar e, como diz o filósofo Shiller, o ser humano só parece inteiramente humano, quando ele é lúdico.”

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Considerada como uma atividade espontânea do psiquismo, a fantasia possui uma relativa autonomia da vontade ou da intencionalidade da pessoa que a vivencia. É nesse sentido que a fantasia é considerada a base da capacidade da criatividade.

A criança mistura muito fantasia com realidade, desejo com fato. Ela prefere, muitas vezes, a explicação fantasiosa que, embora não corresponda aos fatos reais, participa da busca do significado no desenvolvimento do pensamento. Emancipar-se da realidade dos fatos e construir um mundo próprio, imaginário é próprio da infância e corresponde a uma necessidade expressiva interna do ser humano. Crescendo, a criança aprende as fronteiras entre a realidade e a fantasia e o faz-de-conta vai aos poucos diminuindo, mas a função da imaginação permanece um recurso importante para a vida.

O poder da imaginação: compensar uma realidade insatisfatória

A imaginação é uma função de compensação para uma realidade insatisfatória e seu uso é legítimo, pois em situações muito precárias, a psique se salva pelos sonhos e pelas fantasias. Mas, também, a imaginação pode ser uma função antecipatória do futuro, preparando-o.

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O sonhar acordado, o fantasiar, abre uma porta para um mundo de significados que podem ser atribuídos às pessoas que nos rodeiam e às situações nas quais nos inserimos.

Depois de viver um ano inteiro com a pandemia, uma adversidade que nos trouxe uma série de limitações, de perdas, de problemas, que alterou a vida de todas as pessoas, é preciso, ao fazer planos para o próximo ano, usar da função da imaginação, para que sejamos capazes de antecipar um futuro melhor.

Um momento

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A criança pode, nesse momento, estar triste por não estar indo à escola, convivendo com seus amigos; por não estar praticando os esportes que faziam parte de seu cotidiano; por não estar indo ao cinema; por não estar vivenciando presencialmente as festas de aniversário de seus amigos e parentes; por não estar brincando no playground como era de costume; por não estar andando de bicicleta. Essa tristeza é o luto da perda de várias situações que geravam felicidades para ela.

Por outro lado, a criança, sadia, já sonha, simultaneamente a esse lado triste, que em 2021 tudo de bom para ela voltará a ser o seu normal. A escola com os amigos; as festas; os esportes; o cinema; a bicicleta; o playground etc. E junto com tudo isso, sonha também com coisas que ela nem fazia antes da pandemia e que poderão, em breve, fazer parte do seu cotidiano. A imaginação, a fantasia, o sonho não têm limites.

É justamente a fantasia da criança que faz com que ela supere essa adversidade, que está vivenciando neste momento da pandemia, tornando-a, mesmo com a perda de muitas coisas pelo isolamento social, uma pessoa feliz. É o que gera o sorriso no rosto dela.

Fantasia: função antecipatória da realidade

Pois bem, a fantasia é uma função antecipatória da realidade. Conseguir fazer essa divisão entre o luto da perda e o que poderá fazer de bom em breve, mesmo que algumas coisas na realidade poderão ser até impossíveis, é o caminho para enfrentar esse período de adversidade. Se a criança ficar se afogando no luto, ela nunca sairá dele. O que faz sair do luto da perda é o lado sadio da personalidade, estimulado pela imaginação e pela fantasia. Finalmente, cumpre lembrar que, assim como as crianças, os adultos também precisam sonhar, imaginar e fantasiar.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.