Introdução
“William James… entendia que uma crença tem a capacidade de provocar, às vezes, sua própria confirmação. Ele entendia que a vida pode adquirir sentido e valor para quem acredita que ela os tem.”
(Dicionário de Filosofia. Nicola Abbagnano. Abbagnano, Nicola, 4ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.220).
Desde que se iniciou 2023, tenho sido colocada diante de grandes desafios pessoais e relacionais, que reforçaram, em muito, minha experiência com as crenças.
Diante de muitos obstáculos a serem superados, poderia crer que estava vivendo um momento difícil e que certos problemas que enfrentava não poderiam ser superados, que talvez devesse desistir, mas não segui essa crença, que negativada, não me levaria às superações.
Decidi acreditar que ainda havia caminhos a percorrer, mas que precisaria recolher minhas atenções e energias para tal, por isso foquei nas batalhas e só agora escreve o primeiro texto deste ano, nesta coluna tão importante para mim, e que me faz refletir continuamente sobre “Nós e nossos vínculos”.
E, mais uma vez, desde que escrevo essa coluna, minhas vivências pessoais se converteram na argamassa que usarei para tecer nossa reflexão, afinal, ter acreditado que o melhor ainda estava por vir, foi meu mantra nesse primeiro semestre do ano.
Adesão às crenças: aprendemos a crer e a agir muito cedo na vida
Desde quando acreditamos em algo? E como aquilo que cremos determina nossos padrões de comportamento e de relações interpessoais?
A questão das crenças, que não são necessariamente as crenças religiosas, mas podem passar por elas, sempre foi encarada por filósofos, psicólogos e cientistas socais, dentre outros estudiosos. Cada um deles, em seus respectivos campos de conhecimento, enfatizam características sobre o intrincado e complexo mundo do crer.
Como sou psicóloga, me utilizarei dos realces apresentados por vários estudiosos da mente humana, no tocante ao fenômeno humano das crenças, e sua transformação de “adesão a algo”, em hábitos e pautas de vida.
Chegamos ao mundo, carregado de crenças: sobre a vida, sobre a educação, sobre política, sobre o viver bem, sobre felicidade, sobre a vida com o outro, sobre medos, temores, angústias e incertezas e sobre quem somos, e sobre o que pode nos transcender, e sobre o que devemos ou não fazer.
Nossa psiquê, que já vem carregada com experiências anteriores às nossas, arquetipicamente implantadas em nossa fita “sociogenética”, terá novos e velhos padrões de crenças e condutas “atualizadas” em nós, pelos “outros significativos”, ou seja, pelas pessoas que de nós cuidam e que nos apresentam o mundo sensorial, afetivo e das ideias (cognitivo).
Logo, aprendemos, desde muito cedo, a crer, a ser e a fazer, a partir das crenças dos que nos cercam, da adesão deles a valores, ideias e sentimentos. Se nos apresentarem a uma pauta de crenças positivas, que imprimam valores humanos de primeira grandeza como o amar, o respeitar, o cuidar de si e do outro, o respeitar e o dignificar a si aos outros, caminharemos com essa bagagem, por nossa senda do viver.
Porém, se formos banhados em caudalosas águas, turvadas por crenças negativas de desesperança, ameaças, abusos, humilhações e desrespeito, os efeitos dessas crenças, gerarão em nós, pautas comportamentais abarrotadas de inseguranças, medos, desqualificações, incertezas, desrespeitos e muito desamor.
Esse cenário, inicialmente, propiciado por nossos cuidadores e entorno cuidador, será ampliado, pelo contexto social mais amplo, povoado, pelo que os sociólogos chamam, de “outros generalizados”, que habitam nosso convívio em escolas, bairros, igrejas, associações, partidos políticos, agremiações etc… e que, a depender das crenças que imprimem em suas organizações, poderão acrescentar: liberdade, flexibilidade ou rigidez e pautas abusivas, ao nosso mundo pessoal de crenças e práticas.
Isso nos mostra como é complexo nosso mundo pessoal e de relações, e que diante de tal intrincada composição, será de bom tom, perdermos, a também tendência humana, que temos, de tratar questões complexas de forma simples, e limitada, emitindo opiniões superficiais, carregadas de julgamentos e simplificações.
Nosso atual mundo de crenças negativas: espelhos da alma desesperançada
Ouvi, certa feita, no ano de 2022, uma grande cientista brasileira, dizer que nosso mundo atual se encontrava em absoluta falta de plausibilidade, concordo plenamente com a fala dela, e atesto, infelizmente, que isso só cresceu nesse nosso cenário atual.
Temos acompanhado notícias aterradoras de assassinatos, de genocídios, de abusos relacionais de várias ordens, locais, nacionais, internacionais e sobretudo ambientais, em nossa mídia e em nossas redes sociais. As “fake news”, encontram em muitos dos usuários das redes sociais, o estado de “torpor” e “acrítica”, que parecem impedir um mínimo de reflexão pela veracidade do que se está noticiando, e com isso vai se espalhando terror, medo, angústias e incertezas.
Que produto de crença advirá deste ambiente? Certamente que vemos surgir crenças negativas, apoiadas, algumas vezes em cenários apocalípticos, gerando pautas de desesperança, indiferença e impotência, como se nada pudesse ser feito para mudar nosso mundo tão comprometido em sua qualidade.
Vemos recrudescer as crenças religiosas fundamentalistas, que propõem o isolamento e fechamento de seus membros em guetos e “bunkers de guerra” a que nomeiam de “guerra espiritual”, levando os fiéis seguidores a realizarem uma verdadeira “cruzada à moda medieval”, na qual deverão excluir/matar (às vezes literalmente) de seus mundos pessoais e relacionais, qualquer pessoa que não acredite no que eles acreditam.
“E agora José, José para onde?”, perguntou um de nossos poetas brasileiros, pensador de tanta complexidade, nosso Carlos Drummond de Andrade.
Mas podemos escolher crer positivamente e coconstruirmos melhores vínculos
Parágrafos acima, falei da possibilidade de frequentarmos ambientes que promovam a liberdade e a flexibilidade para o crer e o fazer positivos, solidários e respeitosos, lembram? Eis aí um “para onde”, cada um de nós, “Josés”, podemos e precisamos buscar encontrar.
Como as realidades são sempre multifacetadas, e ainda bem, temos também visto crescer, em muitos nichos relacionais, o pensamento crítico, a arte, a poesia, o debate de ideias, não de pessoas… as conhecidas rinhas de “repentistas” nordestinos, que com seus cordéis, e canções desafiavam o sofrimento dado e experimentado como “castigo merecido”, e ainda encontramos, em algum rincão nordestino ou sertanejo desse nosso Brasil, esses artistas mambembes, profetas não religiosos, de uma pensamento crítico que está posto como “norma”.
Atualizando essa cena, temos há bons anos os grupos de artistas que criam o “repente urbano”, os “Rappers”, o projeto Hip Hop, os Festivais que enaltecem o “valor periférico” e a “arte periférica”, que dão voz, em várias cidades brasileiras a grupos de pessoas, que de postas à margem de uma vida digna, levantam suas vozes, e com indignação e arte, cantam suas dores, espantam seus males, e promovem mudanças de crenças e comportamentos.
À título de falar de um desses festivais, ocorreu nos dias 21 e 22 de Abril de 2023, na Praça Central do Paranoá, no Distrito Federal o “Festival Valor Periférico”, onde ocorreram shows, concursos com prêmios para 11 categorias dentro do Hip Hop, oficinas e disputas de rappers presencial e virtual. Tempo de vida e de multiplicação de sementes de esperança, mostrando a todos que “um outro mundo é possível”.
Precisamos encontrar nossos “nichos de sobrevivência qualitativa”, cada um de nós precisará buscar o seu, e assim se fortalecer na crença positiva, que desenvolva as virtudes humanas que possam nos esperançar outra vez, que não nos deixe viver na letargia, no desânimo, em bunkers de guerra contra o diferente, mas que nos ajude a crer que o melhor da vida e das relações interpessoais ainda está por vir.
E para terminar…
Termino esse artigo, com minha alma mais esperançada, mais confiante de que estejamos em qualquer circunstância, inclusive as de maior privação e sofrimentos, é possível crer e praticar o amar, o confiar e o respeitar, pautas de vida e de qualidade vincular!
E vamos prosseguir! Quero escrever mais no segundo semestre!
E, vamos cantar, afinal: “… mais que nunca é preciso cantar, e alegrar a cidade…”, cantemos a Marcha da Quarta Feira de Cinzas, e que seja esse trecho da canção, nosso mantra de esperança: “E, no entanto, é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade. A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, há tão grandes promessas de luz.
Tanto amor para amar que a gente nem sabe”.