Vício em YouTube por causa do home office tem cura?

Trabalhar em esquema home office pode levar a distrações negativas, como essa de ficar assistindo a vídeos no YouTube; veja neste post uma série de procedimentos para lidar com o problema

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“Trabalho em esquema home office, o tédio e a realidade são insuportáveis e o medo de ser demitido a todo momento não sai da minha cabeça. A opressão é enorme.  Gostaria de saber se o que vou relatar agora está no mesmo patamar da dependência de drogas.  Sempre gostei muito de aviação e estou viciado em navegar em um canal do YouTube onde são exibidos vídeos completos de voos e esses podem durar até mais de três horas. A visão é a do ponto de vista do passageiro na janela do avião, é como se você estivesse de fato viajando dentro do avião. Sair da minha realidade me traz um grande alívio. Não consigo mais trabalhar mais que 45 minutos seguidos, preciso interromper o trabalho para assistir a um vídeo, não necessariamente inteiro, para retomar as atividades do trabalho. Parece que fiquei mais preguiçoso e mais desmotivado para trabalhar, fazendo o mínimo… Estou viciado nesses vídeos? Preciso procurar ajuda psiquiátrica ou psicológica? O que preciso fazer? Se puderem me responder, serei grato.”          

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Resposta: Trabalhar em casa e de casa tem sido usualmente acompanhado pela sensação de “ficar mais distraído do que habitualmente”. Deixar de devotar atenção ao trabalho para brincar com o pet, para assistir a um vídeo, para jogar videogame, para cuidar dos filhos têm então sido a regra.

Antes da Pandemia, cerca de 14% dos Americanos já trabalhavam remotamente 4 ou mais dias da semana, de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Todavia, desde março de 2020, cerca de metade dos trabalhadores têm ficado estocados em suas casas ou apartamentos.

Dentro de espaços tão pessoais e familiares, todos temos a tendência de buscar atividades diferentes do trabalho. Afinal, “Não estamos no local de trabalho propriamente”. Outrossim, perdemos paulatinamente as oportunidades do continuado desenvolvimento das habilidades de coping, ou seja, de interagir com funcionários, chefes, colegas, de desenvolver estratégias de enfrentamento, de soluções para problemas. Ao contrário, ficamos fadados a viver um maçante estado de mesmice, o que não é suportável para grande parte de nós.

Dessa forma, com limitadas chances de interação social, de desenvolver habilidades cognitivas, afetivas e motoras, fechamos as portas das nossas salas caseiras e privadas e, a partir de então, temos a oportunidade de “viajar”. Os jogos online têm sido os campeões de busca durante este período desastroso.

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Principalmente no ano de 2020, plataformas de jogos online têm visto os acessos subirem para mais do que 20% (Twitch) em relação ao ano anterior; Netflix adicionou cerca de16 milhões de novos assinantes.

Vício em YouTube e distração

O termo Distração pode significar uma forma de evitar o medo do perigo ou do desconhecido. E a incerteza gera ansiedade e a ansiedade costuma empurrar-nos para fazer alguma coisa; distrair-nos com algo. E este algo geralmente é prazeroso, recompensador. Dito isso, o problema é que as distrações podem conduzir a hábitos insalubres difíceis de driblar.

Ademais, durante as fases mais arrebatadoras da pandemia, trabalhadores em home office começaram a perceber que o tempo para o trabalho remoto oficial começou a combinar-se com as demandas da casa: cuidar dos filhos (inclusive na supervisão da educação), dos pets, da limpeza da casa, do preparo dos alimentos. Aliadas a isso, as chamadas por vídeo começaram a perder seus limites: há chamadas a quaisquer horas, muitas vezes, desrespeitando o esquema outrora presencial de trabalho. “Afinal, se você está em casa trabalhando, você deve estar à disposição para resolver qualquer problema que surja no trabalho, mesmo que no sábado”.

Diante da tela do notebook, smartphone etc temos sido bombardeados por informações sobre o vírus, sobre novos e múltiplos aplicativos, sobre cursos online, sobre novas plataformas de comunicação virtual; tudo isso aumentando a sensação de ansiedade e, às vezes, de culpa ou de impotência: “Como conseguirei absorver todas estas informações, baixar estes novos aplicativos, comunicar-me através desta outra e nova plataforma” ?

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O outro lado do home office

Por outro lado, não é verdade dizer que todos se sentiram negativamente afetados pelo trabalho remoto, home office. Muitos afirmam que gostariam de permanecer trabalhando desta forma, já que conseguiram se habituar a ela, tornando-se tão ou mais produtivos do que antes. Isso é especialmente verdade entre trabalhadores dos vastos setores de tecnologia.

É verdade que a explosão de plataformas de comunicação online, a aumentada soma de tecnologias de nuvem, e avançados instrumentos virtuais tornaram real a possibilidade de se trabalhar de qualquer lugar. Estes trabalhadores que melhor se adaptaram à situação corrente sempre podem nos ensinar como conseguiram seguir em frente sem grandes problemas ou até mesmo com maior satisfação profissional.

Como eliminar as distrações negativas

Um dos principais segredos apontados por esta casta de profissionais é a eliminação de distrações negativas durante o período de trabalho remoto. Abaixo, aponto algumas dicas elaboradas por esta casta:

No trabalho em home office e bom que se estabeleça intervalos predeterminados

1. Tenha intervalos predeterminados durante o seu trabalho. Estes intervalos devem ser esquematizados, rotineiros e compatíveis com o que você faz;

2. Planeje a sua semana: crie um calendário com as atividades que você deve fazer. Não tente fazer tudo em um mesmo dia. Isso produzirá ócio e tendência ao tédio durante os demais dias da semana;

3. Durante o trabalho remoto, esteja sempre adequadamente trajado, da mesma forma como se você estivesse presencialmente no seu local de trabalho. Nada de pijamas no trabalho;

4. Se era a sua rotina durante o trabalho sair para tomar um café ou almoçar, continue fazendo isso. Mantenha a rotina de trabalho normalmente;

5. Não trabalhe na cama ou no sofá. Crie um ambiente próprio para isso;

6. Na medida do possível ou do razoável, esteja presente no seu trabalho remoto durante o horário que lhe cabe. Tente impor limites quanto ao abuso;

7. Conheça as suas distrações. No caso delas serem nocivas à sua saúde (uso de álcool e outras substâncias, por exemplo), você precisa abandoná-las; no caso de não serem nocivas para a sua saúde, você precisa estabelecer limites para usá-las. “Apenas vou jogar na terça e no sábado entre às 14:00 e 16:00 horas”, por exemplo;

8. Durante o seu trabalho, não utilize as redes sociais. Alguns profissionais aconselham desligar o telefone durante o trabalho remoto. Eu aconselho deixá-lo de lado e pegá-lo apenas para realizar tarefas relacionadas ao trabalho, por exemplo. É um exercício de paciência, organização e disciplina;

9. Cumpra o seu horário de trabalho. Respeite-se. Faça com que os demais respeitem o seu horário de trabalho. Encontre um local adequado para trabalhar. Vista-se de acordo. Você está em casa mas você está trabalhando!!!

Malefícios do home office

Alguns malefícios do trabalho remoto percebidos por trabalhadores têm sido destacados em inúmeros textos científicos. Abaixo, enumero apenas alguns deles:

  1. Sensação de estar isolado dos colegas de trabalho;
  2. Desconfiança (“Será que estou por dentro de tudo o que está rolando no trabalho?”);
  3. Solidão;
  4. Necessidade de fazer algo que compense as sensações de solidão, de desconfiança de isolamento;
  5. Autodesempenho parece não estar sendo valorizado ou destacado;
  6. Distrações em casa;
  7. Cansaço e desmotivação;
  8. Riscos inerentes à segurança das informações;
  9. Aumento da ansiedade e dos sintomas depressivos.

Benefícios do home office

Vantagens do home office: não perder tempo na locomoção e flexibilizar os horários

Nem tudo deve ser ruim por si só. Muitos trabalhadores apreciam o trabalho remoto e apontam os seus benefícios:

  1. Flexibilidade e agilidade;
  2. Conveniência;
  3. Melhor balanceamento entre as atividades laborais e de lazer;
  4. O uso da tecnologia torna o trabalho mais célere;
  5. Menor índice de absenteísmo no trabalho;
  6. Sem perda de tempo com transporte e trânsito;
  7. Aumento da competitividade.

O home office atual

Embora haja prós e contras o trabalho remoto, temos que considerar as características de cada indivíduo, o tipo de trabalho, o grau de confiabilidade da empresa e, principalmente, o motivo para o trabalho remoto ou home office. Estamos falando aqui de uma modalidade de trabalho que foi forçada devido à pandemia corrente. Logo, fatores como distanciamento social geral (não apenas no trabalho), medo da morte, medo da perda de entes queridos, medo da recessão econômica e perda de emprego interagem formando um quadro bastante desanimador.

Você não deve parar de funcionar adequadamente, pelo menos no que concerne às suas obrigações rotineiras. Você deve parar com as suas distrações. Por isso, imponha limites para você e para os outros.

Tédio, medo, opressão e ansiedade são sintomas que não acontecem só com você

Lembre-se: estes sintomas não estão acontecendo apenas com você. Eles estão acontecendo com todos nós. Seja correto, disciplinado e faça o seu trabalho.

O texto corrido acima faz parecer fácil a resolução do seu problema, quando na verdade não o é. Insegurança, medo de perder o emprego e oportunidades, sensação de não estar acompanhando colegas mais produtivos, prejuízos de memória e atenção… tudo isso pode estar alagando o seu espaço de trabalho e o desmotivando. Na prática clínica diuturna, ouço estas mesmas queixas. Alguns apresentam sintomas de depressão e alta ansiedade que precisam ser tratados a contento. Mas todos precisam de orientação para seguir em frente.

Além de tentar azeitar os aspectos saudáveis da sua vida com as dicas acima, sugiro uma visita a um profissional psiquiatra para avaliar se você precisa de um suporte mais especializado. Não permita que esta fase das nossas vidas o impeça de ter novas expectativas e vislumbrar novas possibilidades. O jogo, que está preocupando você, não facilitará as suas tomadas de decisões e o enfraquecerá ainda mais. Mexa-se!!!

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.