por Carminha Levy
Como a energia sexual é vista pelo xamanismo?
Desde a aurora da humanidade, do matriarcado aos dias atuais, o sexo sofreu transformações radicais; de início, era sagrado; transformou-se em demoníaco e de tão promíscuo se banalizou.
No matriarcado o sexo era a manifestação máxima da energia e dádiva da deusa Mãe Terra, a Grande Mãe. A mulher, por ser a detentora do poder de parir, era a ela equiparada. Como os seres humanos eram coletores, toda a sua subsistência vinha dos frutos da Mãe Terra, permanentemente venerada. Essa veneração estendia-se às mulheres, que eram também doadoras com os seus frutos – os filhos.
Na mente primitiva não havia a conotação de sexo – geração de filho; os jogos sexuais entre as crianças eram inclusive muito estimulados como um jogo lúdico pela tribo. Quanto mais filhos uma mulher tivesse, mais ela era abençoada pela abundância da Deusa. Na época das últimas geleiras, os seres humanos já viviam em grupos mais fechados e não se deslocavam como os nômades primitivos. Mas durante a primavera–verão eles faziam uma grande jornada para uma reunião num acampamento previamente determinado. Peles, âmbar (que eram o mais precioso bem de todas as tribos), seriam trocados entre os participantes. Os casamentos entre as tribos vizinhas eram negociados e os jovens de ambos os sexos eram iniciados. O acampamento era uma grande celebração à Mãe Terra. A alegria, o prazer e o sexo eram o ponto focal da Grande Reunião.
Os jovens eram iniciados pelas “Pés Vermelhas”, mulheres mais velhas que se dedicavam com muito carinho a esta missão. Elas pintavam os pés de vermelho e circulavam entre os jovens exibindo-se como suas futuras iniciadoras. As virgens também eram iniciadas (após instruídas e preparadas pelas anciãs) pelos guerreiros (caçadores) mais afortunados. E os casamentos só se davam a partir de acordo e transações com os chefes da tribo que tinham que apresentar um grande dote para cada candidata. Quanto mais filhos a mulher tivesse, mais ela valia, pois era abençoada da Grande Deusa. Seguiam-se, em termos do maior valor de dote, oâmbar, em primeiro lugar, e depois as peles e armas, que eram menos valorizadas.
No matriarcado, tanto entre os coletores, quanto entre os caçadores, as mulheres continham todo o poder da criação e reinavam a harmonia e a partilha até no sexo, pois ninguém era dono de ninguém e essa era uma regra básica para ambos os sexos, sem moralismos repressores. Como sabemos que o xamanismo nasceu no matriarcado, esta era a visão do sexo para eles nessa época.
Com a advento do patriarcado, o poder ilimitado da mulher tinha de ser destruído de forma contundente e elas passaram a ser demonizadas, como aconteceu também entre os hebreus (Adão, Eva e a serpente). O cristianismo, em sua forma deturpada dos ensinamentos do suave Nazareno pelos adeptos do poder sobre os outros, continuou com a demonização do sexo e da mulher através da queima das feiticeiras, o que ocorreu por 500 anos. Bruxas e xamãs eram equiparados a elas. Os xamãs tiveram que procurar refúgio entre os povos primitivos, os esquimós, os siberianos, os lapões, etc.
Com a revolução do feminismo e o retorno do poder da Deusa, o tema sexo ganhou uma nova conotação de liberdade dentre os gêneros. Como toda revolução, primou pelos excessos e muitos líderes e gurus pregavam o sexo livre até o limite da promiscuidade. O HIV veio modificar este estado de coisas e o equilíbrio ecológico e sexual começou a ser praticado. Os xamãs, que praticam os ensinamentos da Grande Mãe, adotaram uma nova forma de sexualidade, não mais centrada no sexo como ato físico, mas sim regido pelo vínculo afetivo-sexual.
O que é esse vínculo afetivo-sexual e as várias formas de alquimizar a energia sexual, tais como sexo e criatividade, sexo e cura e sexo e religiosidade serão os temas do próximo texto.