Você vive no passado, no presente ou no futuro?

Veja o primeiro passo para poder se libertar dessa armadilha de viver no passado ou no futuro e como isso te impede de viver uma vida mais plena no único momento que existe: o dia de hoje       

Lourival infelizmente perdeu a esposa em abril de 2020, vitimada por Covid-19. Dor imensa, não há quem duvide. Passados oito meses, pode-se até dizer que Lourival está levando a vida, empurrando com a barriga seu cotidiano. Trabalha sem paixão em sua mercearia e quem resolve tudo atualmente é o gerente.

Os clientes sentem falta do dedo de prosa com o dono. Filhos e netos, também enlutados, se apoiam um nos outros, querem ajudar o pai e sentem falta do carinho dele, que anda meio distante. Evita contato com todos, mesmo por telefone. Conversa brevemente e logo encerra a conversa.

Em sua mente, o viúvo pensa que deveria ter buscado uma segunda opinião médica, que deveria ter feito o passeio a Buenos Aires quando completaram bodas de ouro, que se arrepende de ter tido um caso extraconjugal em 1989, que era ele quem deveria morrer, e não a esposa, que ela deve ter sido contaminada durante a pandemia por algo de errado que ele fez, já que tinha contato com o público no comércio de bairro.

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Você reside mentalmente no passado?

Lourival reside mentalmente no passado, atormentado por memórias, culpabilizações, arrependimentos. E foge de convites para estar no presente, de ser o avô bacana para os netos, de ser o proprietário atento que bem serve à clientela, de chorar de saudade no ombro real ou virtual dos filhos ou amigos.

Margot vive mentalmente no futuro 

Margot é conhecida entre os amigos como Miss Tragédia, verdadeira “drama queen”. Consegue transformar qualquer possibilidade futura na pior delas. Precisou retirar a vesícula, uma cirurgia preventiva que impediria os cálculos de causarem transtornos. Chorou em desespero antecipado, imaginando que a cirurgia poderia dar errado, fosse na anestesia ou por infecção hospitalar. Sim, tudo deu certo, está de fato ótima após a cirurgia.

Quando ela ou alguém próximo vai viajar, seja de avião, carro ou ônibus, Margot gasta tempo rastreando notificações de acidentes, checa se chegaram ao destino, só sossega quando lhe avisam: “Cheguei bem”. Frequentemente pensa coisas do tipo: E se tal coisa acontecer?  A tal coisa é sempre algo que teme, a possibilidade mais temida. Não faz isso com função de pensar em alternativas a possíveis problemas reais. O que faz, na verdade, é elucubrar possíveis (mas não prováveis) desgraças.

Descrevi brevemente dois padrões comportamentais; o viúvo em luto que congelou no passado e a senhora ansiosa que vive num futuro trágico que parece não ocorrer. Ambos os casos se referem a pessoas que se conectam pouco ao aqui e agora da existência. Viver assim é apagar a chama da vida, é perder oportunidades de conexão humana, é desligar-se de pequenas belezas do aqui e do agora.

Ao caminhar no parque para fazer exercício, Lourival pensa que deveria ter passeado mais com a esposa. E Margot busca galhos que poderão cair em sua cabeça. Deixam de sentir o cheiro da chuva de ontem no solo molhado, não escutam o canto do bem-te-vi se embrenhando entre as árvores; sequer notam que algum amigo ou familiar teria gosto de estar com eles nesta caminhada, partilhando relatos, emoções, histórias.

Como se libertar desse padrão de viver no passado ou no futuro?

Mas há como intervir sobre esses jeitos de ser? Sim, a pegadinha é que a pessoa precisa investir algum tempo para sistematicamente se dedicar à aprendizagem do outro padrão comportamental. Este é um tanto mais flexível, baseado na consciência plena sobre os processos relacionados ao mundo das emoções e dos pensamentos e um compromisso com um existir conectado às ricas possibilidades do presente.

O primeiro passo 

O primeiro passo seria se dar conta das perdas vitais quando nos prendemos predominantemente ao passado ou ao futuro. Interações com os filhos, amigos, clientes, fenômenos da natureza, todas essas coisas e muitas outras são desperdiçadas, jogadas no lixo.

Viver é um fluxo de oportunidades, estamos sempre no aqui e agora. De verdade, temos apenas o presente como campo de ação para nosso fazer, sentir, pensar. Nosso passado e o futuro se caracterizam pelo que falamos a respeito dessas instâncias, que são construções verbais, não intervimos concretamente sobre elas.  Reinterpretamos o passado e lidamos com ele de diferentes formas. E, conforme o que fizermos HOJE, poderemos plantar sementes melhores para o que aprendemos a chamar de futuro, um tipo de presente que ainda não se concretizou.

Mindfulness: o caminho eficaz para viver no presente 

Os praticantes de mindfulness, a conhecida meditação de atenção plena, conseguem maior conexão com o presente, alcançam uma vitalidade especial. Nada se conquista instantaneamente, mas exercícios regulares, um pouquinho por dia (há vários exercícios inclusive com a duração de um minuto!) vão nos ensinando a sair do mundo das palavras inúteis. A alternativa é respondermos ao que se apresenta à nossa frente, com suas dores e doçuras, possibilidades e limites.

Para saberem mais, procurem no canal TED do Youtube, pelas palestras do médico e pesquisador Jon Kabat Zin, que trouxe para o ocidente o entendimento cientifico de práticas meditativas típicas do Oriente, originalmente num contexto de fé. Hoje, podemos entender cientificamente que a meditação favorece nossa saúde física e mental, nos permite viver com maior plenitude a riqueza do presente.

É psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental na cidade de São Paulo. Graduada em Psicologia pela PUC-SP em 1981, é Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela IP-USP. Atua como terapeuta e supervisora clínica, é também professora-convidada em cursos de Especialização e Aprimoramento. Publicou dezenas de artigos científicos, e de divulgação científica, além de ser coautora de livros infanto-juvenis.

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