Covid-19: o medo de perder o fôlego

Peguei covid. Perder o fôlego gera um desconforto insuportável, intraduzível…

Um ano se passou desde que:

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  • A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um comunicado sobre a pandemia e fazia orientações gerais, muito semelhantes às indicadas para a prevenção da infecção pelo vírus influenza, causador da gripe;
  • Os pesquisadores chineses descreveram e tornaram público o código genético do novo vírus com velocidade inédita. Havia a possibilidade de interromper o alastramento do vírus, desde que os países estabelecessem medidas enérgicas para detectar rapidamente, isolar e tratar os casos, rastrear contatos e promover o distanciamento físico;
  • O SUS se preparava para a chegada da doença e o Governo Federal não “via razão para alarme”. O governo americano repetia esse modelo, com pequenas variações de teor e tom ao longo de todo o primeiro semestre de 2020.
  • Foi notificada a primeira confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil e, também, a primeira transmissão.

Essa constatação da vulnerabilidade da vida bateu forte e fundo no meu peito e eu passei a olhar o mundo pela janela embaçada pela própria respiração. E, ao olhar com um certo medo, a rotina típica da sociedade da urgência ficou estranha.

Uma pausa para focar no momento presente

A arte de presentificar a vida, até então, oponente à lógica da velocidade, me presenteou com um tempo tocado pela pausa. Aquela incansável pressa que dominava minha agenda e me roubava de mim mesma, inviabilizando a profundidade de estar simplesmente presente, foi ficando pálida.

Até então, o medo de perder o fôlego ainda não tinha me assolado. Mas, não consegui aquietar minha alma quando fui tomando consciência do contexto:

Ações contraditórias de nossos governantes em meio à gravidade de uma crise histórica. A resistência ao conhecimento científico num ambiente de conflito político e crescimento do autoritarismo foi – e continua sendo – representada na disputa de narrativas que se contradizem.

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Iniciativas de governadores foram questionadas pelo Presidente da República, que já dizia: “é uma pequena crise, não há motivo para pânico, isso tem sido propalado pela mídia” ou, até mesmo, que “era uma fantasia”.

A epidemia atingiu grandes proporções no País. Capitais e cidades mais populosas passaram a sofrer com a carência de recursos assistenciais. Manaus tornou-se o símbolo da catástrofe quando os jornais passaram a exibir, além das notícias de hospitais lotados e pessoas que morriam sem qualquer recurso em casa, também imagens de cemitérios abarrotados e sepultamentos em covas coletivas.

Não houve plano do Governo Federal para reorientar a economia para a manutenção e reposição de serviços e produtos essenciais. Foram poucas, também, as ações de suporte social que permitiram a decisão de confinamento. Uma parcela enorme da população não tem renda o suficiente para ficar em casa, como é a recomendação feita em todos os países.

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A divulgação diária dos números foi suspensa, dificultando o monitoramento da situação. Um cenário de desconfianças e incertezas diretamente vinculado a um comportamento social distante da ciência.

Com a flexibilização, na qual apenas os grupos considerados de risco deveriam isolar-se, todo o resto da população ficou sujeita a uma rotina de quase normalidade, salvo pelo uso de máscaras. A previsão do meio científico – de aceleração do contágio e aumento de casos confirmados e de mortes – foi constatada.

Crenças, emoções e fake news

Motivadas pela desorientação, as pessoas passaram a emitir informações baseadas em suas crenças e emoções, e não em fatos, o que causou ainda mais equívocos sobre a disseminação e efeitos do coronavírus.

Então me pergunto: como ficar mansa diante desse prognóstico?

Minha sensibilidade sempre me levou a iluminar os avessos da vida, sou inclinada ao profundo.

O medo de perder o fôlego

Sinto-me confortável para falar sobre o medo. Perdi o fôlego! O vírus invadiu meu corpo pequeno e drenou o ânimo que sempre tive para acolher belezas escondidas.

Confinada e em silêncio, aprendi a pausar e tive tempo para me ouvir, reconhecer o que não tenho feito e preciso fazer. Tive tempo para me abrir para o novo e renunciar ao fazer antigo.

Fui apresentada, pelo silêncio, ao tempo de espera e do preparo. Perder o fôlego gera um desconforto insuportável, intraduzível… Uma viagem que você só pode fazer sozinho.

Mas saí deste túnel assustada e alumbrada, disposta a não fazer nada que me leve para longe dos pequenos encantos. Disponível para abraçar a esperança e a fé de que, para além das sombras, existe uma presença Sagrada em nossos descaminhos, ajudando a corrigir as veredas da vida… Alguém que chega e dá o AR DA GRAÇA.

Maria do Céu Formiga é psicóloga, escritora Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, (ocupando a cadeira de Mario Quintana) e aquarelista. É pós-graduada em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Religião. É consultora autônoma, coordena cursos e workshops. Realiza palestras e trabalhos em simpósios e congressos nos seguintes países: França, Inglaterra, Cuba, Israel, Chile e Estados Unidos. Mais informações: www.mariadoceuformiga.com.br