O que é a crise da meia-idade precoce?

A insatisfação dos jovens adultos com a vida vem aumentando, trata-se da crise da meia-idade precoce; entenda as causas 

Pesquisas e reportagens têm mostrado que a insatisfação dos jovens adultos com a vida está aumentando e chegam a falar em uma “crise da meia-idade precoce”.

O século XXI tem sido até agora o século da globalização e da revolução digital por excelência. As novas possibilidades de comunicação, os novos desenvolvimentos da tecnologia geraram modos diferentes de viver a vida, no estudo, no trabalho e no lazer. O ser humano adquire mais treino e mais facilidade no uso das ferramentas digitais que se aprimoram dia a dia e, como decorrência, novas habilidades mentais. Sabe-se que o cérebro é dependente do uso e sensível a condicionamentos.

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As crianças, os adolescentes e os adultos bem jovens que nasceram nesse século são chamados de nativos digitais, de geração Z, por estarem crescendo com as tecnologias digitais em suas vidas. O cyberespaço, ou o mundo tecnológico, foi um espaço privilegiado de brincar e de explorar o mundo dessa geração, pelo uso da internet, do iPad, do celular, dos videogames, das redes sociais etc. desde muito cedo na vida. Com o confinamento social determinado pela pandemia da COVID-19, o uso desses eletrônicos expandiu-se para praticamente 24 horas por dia, sete dias por semana, fazendo parte integral da vida. Crescer em um mundo altamente conectado digitalmente, influencia profundamente suas características e comportamentos do indivíduo.

As redes sociais são parte insuperável da vida. A internet é o mundo onde vive principalmente os jovens atualmente.  Eles são diferentes da geração anterior que presenciou a revolução que a internet trouxe ao mundo. Assim, os mais velhos, hoje, podem perceber e questionar a dependência dos mais jovens, pois viveram essa revolução e se lembram de um estilo de vida sem essas ferramentas atuais.

Crise da meia-idade precoce e insatisfação 

A insatisfação enfrentada pela geração Z tem sido motivo de preocupação e objeto de estudo. Pesquisas têm demonstrado uma combinação de fatores tecnológicos, sociais e políticos como causa de impactado na saúde emocional desses jovens.

Uma pesquisa conduzida pela Gallup e pela Walton Family Foundation(Voices ofGen Z Study) em 2023, mostrou uma realidade surpreendente. Segundo os dados coletados de mais de 2 mil norte-americanos nascidos na Geração Z, 73% se descrevem como muito felizes ou um tanto felizes. No entanto, essa porcentagem declina significativamente à medida que a geração Z atinge a vida adulta.

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Insatisfação está relacionada à falta de sentido (propósito) no trabalho, escola e numa rotina não valorizada com expectativas não atendidas       

Essa geração enfrenta desafios específicos que afetam sua felicidade. O impulsionador mais importante para a felicidade da geração Z é o sentido de propósito, de acordo com o ponto de vista deles, no trabalho e na escola.  Entre 43% e 49% dos membros dessa geração não sentem que é interessante, importante ou motivador o que faz todos os dias. Muitos se encontram em empregos ou rotinas escolares que não valorizam. Por outro lado, sentem que não estão atendendo às expectativas acadêmicas e profissionais da sociedade e ainda enfrentam dificuldades em encontrar empregos estáveis e bem-remunerados, especialmente após a conclusão da educação.

É possível que o aumento do uso dos celulares e a popularização das redes sociais coincidiram com o aumento do pessimismo entre os jovens. Ainda que a Internet e agora as ferramentas de inteligência artificial ofereçam infinitas possibilidades, também é o espaço para cyberbullying, propagação de discursos de ódio e de abusos. Também, os padrões de beleza e de estilo de vida impostos pelas redes sociais podem afetar negativamente a autoimagem e a autoestima.

Vida vivida x vida editada

Considera-se que a geração Z vive uma vida editada que é diferente da vida vivida. Apesar da constante conexão digital, são jovens que vivem a solidão e enfrentam dificuldades em estabelecer conexões significativas na realidade. 

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A ansiedade social, a frustração profissional e as preocupações globais pesam sobre os ombros dessa geração. Taxas crescentes de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, afetam essa geração desde cedo e por mais tempo.

Jesen Huang, presidente da Nvidia, maior empresa asiática de Inteligência Artificial, surpreendeu os ouvintes em uma palestra de formatura na Universidade de  Sanford, ao desejar aos graduados “amplas doses de dor e sofrimento”.

Ele nasceu em Taiwan na China, e grande parte de sua infância foi vivida na Tailândia. Credita seu sucesso à vivência de expectativas baixas, o que contrasta com as expectativas altas dos estudantes e da geração Z, acostumados a instituições de ensino de elite e a recursos financeiros para sustentar estudos nas melhores instituições de ensino.

Segundo ele, a diferença de expectativa impacta diretamente na resiliência, sendo essa um fator importante para o sucesso familiar e profissional. Ele percebe na atualidade, jovens com altas expectativas na vida e com baixa resiliência, com dificuldade de lidar com frustração, com dificuldade de realmente perceber desejos e necessidades reais. Portanto, com dificuldade de se tornarem adultos.

A grandeza e a valorização do caráter não são medidas pela inteligência, mas pelo que as pessoas sofreram e como reagiram a esses sofrimentos. A dor e o sofrimento refinam e engrandecem o caráter do indivíduo. Serão as altas expectativas dos jovens da geração Z, o fator mais responsável pela sua insatisfação e sua infelicidade? Com certeza é uma questão para ser refletida.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.