Alcoólicos Anônimos: qual é o papel do padrinho?   

O padrinho é um dependente de álcool em estágio de recuperação bem mais avançado do que o de quem entrou há pouco tempo nos Alcoólicos Anônimos. Ele não tem um papel de prestar assistência psicológica, material, matrimonial, profissional etc. Então, qual seria o grande papel do padrinho?

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“Toda pessoa que ingressa no A.A. ganha um padrinho que lhe apoiará na sua jornada contra o alcoolismo. Esse padrinho enfrentou todos os percalços e desafios dessa luta. Evidentemente, que o padrinho irá prestar o seu auxílio baseado em sua larga experiência, visão de mundo, crenças… Mas esse padrinho teria o preparo necessário para lidar com uma questão tão complexa? O padrinho tem todo esse poder? Até onde iria esse poder? Se puder me orientar, agradeço.”

Resposta: Quando você recorre a um tratamento de mútua ajuda, como é o caso do Grupo de Alcoólicos Anônimos (AA), você está dando um importante passo na tortuosa trajetória rumo à sua recuperação. Além do apoio dos membros do grupo de A.A. que você frequenta, você terá o apoio de um padrinho.

Papel do padrinho nos alcoólicos anônimos

O dito padrinho também é um dependente de álcool em recuperação; todavia, ele está em um estágio de recuperação bem mais avançado do que o seu. O padrinho não tem um papel de prestar assistência psicológica, material, matrimonial, profissional etc. O grande papel do padrinho é, a partir da própria experiência pessoal com a própria doença e com a continuada participação nas salas de A.A., ouvir seus apadrinhados, apoiá-los em momentos de recaídas e, juntamente com o novato, perceber os gatilhos mais comumente encarados no dia a dia a fim de evitá-los.

O padrinho não tem poder sobre o alcoolismo

Você fala sobre o “poder” do padrinho. Você está errado. O padrinho não tem poder, da mesma forma como você e ele também não tem qualquer poder sobre o álcool ou sobre a doença. O padrinho está tentando ser mais uma pessoa (ou talvez a única) para compreender você, ouvi-lo, estar presente na sua vida e, por fim, ajudá-lo.

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A partir da própria experiência pessoal, o padrinho pode compartilhar com você quais foram os principais erros que cometeu durante a sua jornada rumo à abstinência e isso não deve ser negligenciado ou mesmo confundido com “poder”. Seguramente, o padrinho também continua em risco de recaída, tendo em vista que estamos falando de uma doença crônica na qual as recaídas infelizmente fazem parte.

Novamente, ele não tem “poder” sobre a doença. No entanto, ele conseguiu superar alguns obstáculos, ultrapassar limites, detectar dificuldades para manter a própria abstinência, suplantar preconceitos e dificuldades nos relacionamentos familiares e interpessoais. E caso ele tenha tido sorte nesse processo, também teve um padrinho que o ouviu nos momentos de angústia, desespero e fissura.

Caso você esteja com problemas de relacionamento com o seu padrinho, avaliando as falas dele como autoritárias ou mesmo negativas, você deve conversar com ele cara a cara. Provavelmente, ele revisitará o próprio comportamento e as próprias atitudes bem como essa conversa deverá estimular você a também revisitar como você está lidando com a situação e com a noção de “poder”.

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O padrinho não é um “chefe”

O padrinho não é seu “superior hierárquico”; é apenas uma pessoa que tem, pelo menos em relação ao álcool, algumas características comportamentais semelhantes às suas e que tenta diuturnamente driblá-las para manter a abstinência e continuar vivendo.

Dito isso, o papel do padrinho é ajudá-lo durante o processo de recuperação. Os padrinhos têm experiência nas salas, conhecem alguns dos desafios da sobriedade precoce e de longo prazo, e são capazes de dar alguma orientação tanto em sua recuperação quanto em como melhor funcionar nos grupos ou salas.

E, embora qualquer pessoa nas salas tenha o apoio de toda a comunidade dos 12 passos, o apoio que você recebe do seu padrinho é diferente. É individual e trata-se de uma pessoa específica a quem recorrer quando tiver dúvidas ou dificuldades. Novamente: Ele tentará ajudar a partir da própria experiência pessoal e da vivida nas salas ou grupos.

Principais funções do padrinho

De uma forma mais didática, aponto abaixo as principais funções de um padrinho:

a) Orientação e apoio: A principal função do padrinho de A.A. é orientá-lo sobre as reuniões e fornecer o suporte de recuperação de que você precisa;

O padrinho não está em posição hierárquica superior a você ou para julgar suas atitudes, mas sim para ser um ouvido solidário

b) Ser um ouvido solidário: Quando você só precisa desabafar, seu padrinho está lá para ouvir;

c) Encorajamento e elogios: Quando você é dependente químico e consegue avanços na direção da sobriedade, é importante encontrar alguém que o encoraje a manter o comportamento positivo e o elogie;

d) Ser um contato de emergência: Quando você precisar de alguém para conversar, porque está em meio a uma crise ou tormenta, certamente você pensará no seu padrinho;

e) Feedback honesto: O caminho para a recuperação é traiçoeiro. Um feedback honesto é importante para garantir que você permaneça no caminho mais adequado. Ouvir que você pode estar entrando em um próximo “beco sem saída”, apesar de você achar que não está, pode ser algo desagradável e mesmo ameaçador à sua autoconfiança. Entretanto, muitas vezes, outras pessoas reconhecem os sinais de recaída antes que você mesmo os perceba e, como seu padrinho já passou por isso ou algo parecido, ele pode identificar alguns sinais de risco;

f) Saber que é possível manter-se sóbrio: Quando você é novo na recuperação, pode achar que ficar definitivamente longe do álcool seja uma tarefa impossível. Se você tiver um bom padrinho, pode olhar para ele como um modelo;

g) Ajudá-lo com as etapas da recuperação: Uma das principais funções do padrinho de A.A. é orientá-lo a vencer as etapas rumo à recuperação (identificar os gatilhos para lapsos e recaídas, recuperar a autoestima, manter-se afastado das pessoas que bebem, manter-se longe dos locais nos quais costumava frequentar para beber, modificar o seu estilo de vida etc);

h) Chamar a sua atenção: Finalmente, você precisa de um padrinho que não tenha medo de chamar a sua atenção para as decisões perigosas que você pode estar tomando. Lembre-se: parte do papel dele é ajudá-lo a permanecer sóbrio! Ele pode chamar a sua atenção; todavia, ele não pode tomar as decisões por você. Ele pode adverti-lo quanto ao risco da sua corrente caminhada; no entanto, ele não tem o poder de modificá-la. O padrinho não tem o “poder” de tomar as suas decisões. Todavia, ele estará lá para ouvir as consequências delas, mesmo já tendo previamente orientado um outro caminho.

Seu padrinho não tem qualquer “poder” sobre você nem tampouco sobre o alcoolismo que acomete ambos. Ele está, provavelmente, tentando ajudá-lo. “Chamar a sua atenção” pode fazer parte do processo, quando, por exemplo, você insiste em frequentar locais recheados de bebidas alcoólicas.

De qualquer forma, sugiro que você converse pessoalmente com ele e exponha a sua opinião. Não se esqueça de que ele está tentando ajudar você através dos próprios recursos que ele tem e da experiência adquirida nas salas ou grupos, de forma totalmente voluntária, como membro integrante do processo do seu grupo de Alcoólicos Anônimos.

Não tenha medo de falar com ele. Esconder fatos e sentimentos não é recomendável no seu processo de recuperação. Um pacto de silêncio não é recomendável. Converse com ele hoje mesmo!

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento,

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.