Como a pandemia mudou nossos hábitos

Mudanças sociais recentes: dedicação e sensibilidade ao próximo ou negação do risco e da realidade?

Peço desculpas aos muitos indivíduos de meu país que estão sem alimento nas mesas, sem teto para dormirem em segurança, sem trabalho, sem perspectivas para viverem com padrões de dignidade.

O texto de hoje vai abordar exemplos compatíveis apenas com pessoas em condições socioeconômicas um tanto mais razoáveis. Gostaria que em nenhum lugar de nosso planeta houvesse fome e desabrigo.

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Como era a vida antes da pandemia

Antes da pandemia de Covid-19 se instalar entre nós, era possível, por exemplo, observar uma quantidade razoável de pessoas:

  • comprando roupa social e calçados para trabalharem com garantia de “uma boa aparência”, ou para capricharem no visual para o lazer e eventuais paqueras;
  • buscando pechinchas em sites de viagens, pesquisando destinos exclusivos, fazendo roteiros temáticos para dentro ou fora do país;
  • frequentando academias, salões de beleza, barbearias e outros centros de estética;
  • organizando festas, encontros sociais, congressos e reuniões em restaurantes, bufês, centros de convenções e hotéis;
  • indo para casa apenas para dormir, tomar banho, fazer o essencial no lar;
  • frequentando bares e restaurantes, dia e noite;
  • curtindo a noite em baladas, carnavais, micaretas, festas universitárias, bailes de formatura;

    E aí chegou um vírus nada amigável.

A pandemia nos obrigou a sair da zona de conforto  

Com a passagem do tempo, quem precisava de renda passou a fabricar na cozinha de casa coisas como bolos, tortas, caldos e doces e buscar clientes no condomínio e cercanias. Disparou o serviço de entregas por motoboys e bicicletas, o mercado de caixas, embalagens e recipientes chegou a se ressentir da falta de matéria-prima.

Muitas mulheres passaram a fazer coloração dos cabelos com produtos da farmácia no banheiro de casa. Outras mulheres abraçaram a oportunidade de deixarem o branco prevalecer. Cortes de cabelos no improviso de casa, franjas repicadas, maquininha de corte nos cabelos dos filhos e marido, tudo isso tomou conta do cenário doméstico.

Foi interessante notar que programas de culinária, séries de TV, lives musicais ganharam formatos domésticos, feitos de forma nem sempre tão perfeita, mas geralmente criativos. Monica Salmaso que o diga! Quanta beleza no canal dela do YouTube e nas lives de Caetano e Betânia! Isso, entretanto, não impediu as dificuldades imensas no setor de entretenimento…

Feirantes e pequenos comerciantes desenvolveram canais de comunicação com sua clientela, passaram a prestar serviços personalizados porta a porta. Comerciantes que jamais pensariam em entrar no mundo digital se filiaram a plataformas para sobreviverem. Costureiras passaram a produzir máscaras, indústrias de cosméticos lançaram marca própria de álcool-gel.
Eu poderia passar horas arrolando mudanças sociais derivadas do advento da necessidade de isolamento social e de controle da epidemia.

Os valorosos soldados invisíveis

Impossível não citar mais uma: houve brutal reviravolta na vida dos profissionais de saúde e dos professores, do ensino fundamental até a pós-graduação. Do educador físico ao professor de idiomas, ballet e pilates. Do maqueiro e recepcionista do pronto-socorro, ao anestesista e fisioterapeuta.

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Recentemente o ministro da Educação disse palavras desqualificadoras acerca dos professores, e muitas vezes profissionais aplicados e pesquisadores na área da saúde não foram ouvidos, levados a sério como seria necessário. Mas faço questão de dizer: as equipes de hospitais, laboratórios e escolas foram essenciais. Sou grata a todos. Do maqueiro no hospital ao pesquisador na universidade, do médico à professora voluntária para alunos carentes que enxergam no ENEM uma porta para o futuro melhor, todos são profissionais valorosos.

Dar plantões de 24 horas na UTI é exaustivo. Preparar, imprimir e distribuir de casa em casa os conteúdos escolares é tarefa de gente forte, que sabe que seus alunos não dispõem de internet e precisam manter vínculos com a escola.

Motivar adolescentes sonolentos a atentarem para uma tela por longos períodos; manter no celular grupos de discussão para esclarecer dúvidas; aprender em tempo recorde a usar da tecnologia para dar aulas remotas; como são capacitados nossos docentes e profissionais de saúde!

Enfermeiros que botaram o pé na lama, nada metafórica, para promover ações preventivas; professores que deixaram de dormir para cuidarem da própria família e das dezenas ou centenas de alunos, vejo muito valor nessas pessoas.

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Negacionismo

Lamento que muita gente ainda se recuse a usar máscara, manter distanciamento social e tomar vacina. O padrão como se comportam afronta o enorme esforço de quem precisou trabalhar durante a pandemia, correndo riscos pessoais para cuidarem de clientes, pacientes e alunos.

Uma parte da população se adapta, faz sacrifícios, emite protetores comportamentos pró-sociais. Já outra parte ofende o país e oferece claro fermento para a massa viral, cuja importância tanto buscam menosprezar. Para o segundo grupo, mais de 255 mil mortes são apenas uma circunstância. Duro de engolir.

É psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental na cidade de São Paulo. Graduada em Psicologia pela PUC-SP em 1981, é Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela IP-USP. Atua como terapeuta e supervisora clínica, é também professora-convidada em cursos de Especialização e Aprimoramento. Publicou dezenas de artigos científicos, e de divulgação científica, além de ser coautora de livros infanto-juvenis.