A pandemia nos torna resilientes. Assim, a imaginação no seu processo criativo, que dá um significado profundo à experiência, pode favorecer a integração e o crescimento psicológico diante de uma crise.
A história da Terra é cheia de extinções maciças, pois, em cinco ocasiões, 95% das espécies vivas foram destruídas. Depois das extinções, entretanto, sempre surgiram explosões de criatividade. O desaparecimento de uma civilização determina novas criações, novas leis, os novos códigos e novos valores. Cada catástrofe social ou cultural é uma oportunidade para a evolução.
Hoje se admite que as extinções de diferentes ordens sempre constituíram grandes forças criativas e isso é resiliência. Cyrulnik, uma das maiores autoridades nos estudos em resiliência, descreve dois fenômenos opostos nos processos evolutivos: a destruição e a reconstrução. Como exemplo, cita a Peste Bubônica ou Peste Negra, que no início do Século XIV devastou a população europeia. As crianças morreram em grandes quantidades porque eram muito vulneráveis às bactérias da praga e as mulheres morreram muito jovens.
A sociedade que sobreviveu àquela época, foi dirigida por homens mais velhos, que desejavam mais a paz que a conquista. Uma nova estrutura demográfica e cultural surgiu, houve uma mudança no sentido da vida, nas relações interpessoais e nos projetos de existência. A peste bubônica, que devastou a Europa no século XIV, é reconhecida como uma das principais impulsionadoras do movimento renascentista, cujos expoentes são artistas italianos que viviam em cidades especialmente afetadas pela doença.
A gripe espanhola, a pandemia do vírus influenza H1N1 de 1918, em três anos, infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população do mundo na época. O saldo da doença foi terrível, mas tempos difíceis ajudam a criar cenários novos. As mudanças tornaram a vida melhor em muitos aspectos a partir dessa época. Em muitos países, a saúde pública ganhou importância e, no Brasil, gerou a semente do Sistema Único de Saúde, o SUS, e novas ideias surgiram na esfera política, ocorrendo também uma liberalização dos costumes. A Semana da Arte Moderna de 1922 trouxe uma renovação da linguagem.
Como a pandemia nos torna resilientes
O mundo não foi mais o mesmo depois dessas duas pandemias acima assinaladas e provavelmente não será mais o mesmo depois da pandemia da Covid-19, de 2020. O surto mundial da doença coronavírus é uma fonte inesperada de adversidade, trazendo a morte em todos os seus sentidos. Entretanto, é sabido que o arquétipo da morte sempre lança uma nova luz sobre o significado da vida. A morte é uma grande transformadora, que força mudanças significativas.
Todo ser humano passará pelos lutos desencadeados pela Covid-19. Cada indivíduo viverá essa fase por motivos diferentes. Se a infecção pelo coronavírus tem deixado sequelas percebíveis e ainda não percebíveis nos doentes, a sociedade viverá, por anos, as sequelas econômicas e emocionais impostas por essa infecção viral pandêmica.
Todas as pessoas do planeta estão enfrentando as dificuldades e as tristezas de uma tragédia coletiva e dentro de alguns meses viverão um luto mundial. Não há como escapar dessa vivência e será tal vivência que favorecerá a construção de resiliência.
Segundo a Psicologia Analítica, para se metabolizar a crise desencadeada pela recente pandemia, é importante desvincular a função da imaginação de sua função defensiva, sombria, libertando de sua escravidão ao medo, à raiva e à ilusão, para que ela possa servir à sua função mais verdadeira de enriquecer a vida coletiva e pessoal com significado. É a imaginação, no seu processo criativo, que dá um significado profundo à experiência, que pode favorecer a integração e o crescimento psicológico diante de uma crise.