Como nutrir a resiliência em familiares mais velhos

As restrições trazidas pela pandemia recaem sobre os idosos com um peso considerável

A pandemia da Covid afetou substancialmente a vida de todas as pessoas do planeta. Bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos tiveram suas rotinas muito modificadas, necessitando se adaptar a uma vida confinada a ambientes restritos, precisando adiar planos e aprender a lidar com perdas de diferentes ordens. Muitas pessoas ficaram sem empregos, sem oportunidades de trabalho e, o pior, muitos perderam amigos e familiares, dos quais não puderam nem sequer se despedir.

A ilusão da vida que se desabrochava até o fim de 2019, desapareceu, substituída por ansiedade, medo, tristeza, desânimo e depressão. Se a pandemia e as consequências dela comprometeram a vida de todos, com certeza as pessoas mais velhas sofreram mais.

Ser automaticamente inserido em um grupo de risco pela idade, precisar do confinamento social mais que as outras pessoas, ficar dependente de filhos e/ou familiares para manter as rotinas da vida diária, perder todas as possibilidades de lazer e de convívio, são fatores lesivos para a saúde mental.

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Há avós e bisavós que não veem seus netos há muito tempo e muitos que nem conheceram os netos que nasceram há meses. As visitas dos filhos, esses sempre sobrecarregados de afazeres, é curta, sem tempo para conversas. Passeios foram interditados. As vivências de solidão assolam os mais velhos.

Terceira idade: um período sensível na trajetória do ser humano

É sabido que adversidades, traumas e doenças, em suma, catástrofes de tipos diferentes ocorrem desde o início até o fim da vida. Na trajetória do desenvolvimento humano, o advento da terceira idade se caracteriza como um período sensível e de maior vulnerabilidade. Fatores de risco biológicos, socioeconômicos e psicológicos podem se sobrepor. Os riscos incluem morte de amigos, doenças, acidentes, incapacidades físicas e mentais, perda de prestígio, conflitos familiares, pobreza, abandono, entre outros.

O isolamento do contexto profissional, social e afetivo, determinado muitas vezes por uma aposentadoria, que pode ser tanto desejada quanto indesejada, o ressurgimento de traumas ocultos não elaborados, o peso do não vivido e a dificuldade de se perdoar constituem também fatores de risco importantes.

Os idosos sentem mais o peso das restrições trazidas pela pandemia

Cumpre pensar que as restrições trazidas pela atual pandemia recaem sobre os idosos com um peso considerável, transformando-se em fatores que se somam aos já existentes, aumentando ainda mais a vulnerabilidade dessa idade.

Com o envelhecimento, os limites da plasticidade biológica e da flexibilidade comportamental se estreitam. Sabe-se, porém, que a ativação de recursos internos da pessoa pode atualizar o potencial para manutenção e recuperação dos níveis desejáveis de adaptação. As respostas adaptativas podem variar conforme o contexto, o tempo, o gênero, a idade e a cultura nos quais o indivíduo se insere, mas são sempre dependentes da autoestima e do senso de autoeficácia.

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Como fomentar a resiliência em nossos familiares mais velhos?

A literatura sobre resiliência na velhice converge em relação à importância do conceito de si mesmo, à autoestima, à regulação emocional e aos recursos do meio representados pelo suporte familiar. São resilientes os idosos que não sucumbem às adversidades, mas agem de maneira contrária: na presença delas, mostram um padrão adaptativo positivo, caracterizado pelo manejo dos eventos que ameaçam a adaptação ou que, depois de serem afetados por adversidades, conseguem recuperar seus níveis anteriores de funcionamento.

A definição de resiliência na velhice ganha mais características: ela é definida como força interna, poder ou força pessoal que se relaciona com senso de coerência, com metas da vida e com a transcendência. Isto é, com a capacidade de projetar-se além de si mesmo, em direção ao altruísmo e à sabedoria. Isso implica em olhar para o lado luminoso da vida, sem desconsiderar o lado sombrio, e viver conectado ao presente.

Um dos pressupostos do modelo de desenvolvimento ao longo da vida, é que a resiliência não só não declina, mas tende a aumentar na terceira idade, funcionando como mediadora para o alcance de bons padrões de adaptação, conhecidos como velhice bem-sucedida.

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Ninguém está livre do sofrimento com doença e dor, ninguém pode escapar da morte definitivamente, não há ninguém que nunca tenha sentido culpa e tudo isso pode ser um estímulo para viver a vida de maneira digna. Na idade madura, a pessoa, que se sente livre e leal a si mesma, para quem a vida tem significado, conjuga fatores de resiliência que possibilitam o não sucumbir facilmente aos fatores de risco biológico, socioeconômico e psicossocial que a idade avançada traz. Assim, ela pode conseguir manter uma flexibilidade e uma resistência para lidar com as limitações e as perdas que acontecem, pois tem o desejo de viver.

É fundamental a motivação para desejar e sonhar, para se colocar metas e para persegui-las. Para se manter ativo, vivo e livre, é necessário continuar sonhando com a possibilidade de novos ganhos e de novas realizações até o fim da vida.

Entender que nossos familiares mais velhos têm recursos internos para manutenção e recuperação de níveis desejáveis de adaptação e que, mesmo auxiliados nessa situação especial de confinamento social, necessitam serem respeitados na sua autonomia. Eles precisam manter a noção da própria eficácia e manter uma boa autoestima, condições indispensáveis para sua resiliência.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.