O que significa ter caráter? Ele é inato? É mutável?

O caráter não se manifesta totalmente nas fases iniciais do desenvolvimento e sua expressão máxima se dá na adolescência

Mais uma reflexão sobre o caráter pela perspectiva da cultura. Acreditam os cristãos que o caráter é um dom divino. Confesso que minha crença não chega a tanto. Tratando-se do caráter, sou menos dogmático. Acredito mais que ele se constrói pela adoção de diversas medidas ao longo de nossa breve existência.

Como o caráter é construído

Acredito que o caráter é consequência das experiências e interações sociais que vamos tendo ao longo de nossa vida e das quais obtemos algum aprendizado. Assim, todos esses hábitos influenciam nosso temperamento e nossas predisposições biológicas. E vão mudando, variando, refinando e moldando nossa personalidade. Portanto, a origem do caráter é cultural.

Por não ser hereditário o caráter não se manifesta totalmente nas fases iniciais do desenvolvimento evolutivo. Ele vai passando por diferentes etapas, até alcançar sua expressão máxima na adolescência. Portanto, ele pode ser modificado e é suscetível de ser alterado. Por exemplo, através da educação social. Ou seja, como respondemos às interações e aos conflitos sociais.

Assim, inevitavelmente remetemos a infância e ao ambiente em casa no qual começamos a moldar essa importante faceta da personalidade. Conclusão, é bem cedo que começamos a conhecer os limites que devem nos disciplinar para a vida em sociedade. São os pais ou nossos cuidadores os primeiros a nos incutir tais medidas. Quem não se lembra das saudosas recomendações e das punições à desobediência. Época em que alguns ditados tinham vasta e permanente sabedoria: “Não tenha os olhos maior do que a barriga! e “Mais vale um pássaro na mão que dois voando”. E os conselhos eram igualmente sábios: “Respeitem os mais velhos”, “Não se esqueçam de obrigado, por favor, desculpe-me”.

Do pré-primário à faculdade, os mestres lapidavam a obra. Estaríamos prontos, então, para enfrentar a vida. Era, em tese, um indivíduo de bom caráter, restava pô-lo à prova, seja nas interações comerciais ou sociais, como empregado, empregador ou político; nas relações familiares.

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A construção da reputação na sua história de vida

À medida que o tempo passa, vamos construindo nossa reputação. Se tantos colaboraram para a formação do caráter, agora cabe tão somente a nós cuidarmos de seu reconhecimento. E não se trata apenas das relações profissionais. A reputação de um indivíduo está relacionada a todo o seu comportamento enquanto membro da sociedade. É uma construção que não permite hesitação.

O fato é que só na última etapa da vida é possível saber se construímos ou não uma reputação respeitável. E essa avaliação não será feita por nós, mas por todos aqueles com quem nos relacionamos.

Para concluir: ao mesmo tempo em que você observa, será observado. Da mesma forma que julga, está sendo julgado. Quantos de nós seremos capazes de ser avaliados como alguém de bom caráter e reputação ilibada? A resposta eu não tenho, mas posso especular de que a sociedade que nos acompanhou saberá a resposta.

Coordenador do serviço de atendimento a pacientes com tricotilomania no PRO-AMITI/IPq FMUSP. Supervisor clínico na UNIP. Psicólogo pela Universidade Metodista. Mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Especialização em Terapia Cognitivo-comportamental pelo Ambulim/IPq FMUSP. Especialização em Psicologia Hospitalar pela UNISA