Quanto mais expectativa de vida, mais breve ela fica

Entenda por que quanto mais tempo temos para viver, mais curta se torna a vida e por que esta ficou tão breve

A vida é breve, mas a nossa expectativa de vida só aumenta. Então a vida está deixando de ser tão curta e tornando-se maior? Infelizmente a resposta tem de ser negativa. Apesar da estatística sobre a ampliação do nosso tempo de vida parecer uma boa notícia, as coisas não são tão boas assim. Aliás, isso é uma advertência para quem leva estatísticas muito a sério. Dados matemáticos podem ser ilusórios. O que tem ocorrido, na verdade, é que quanto mais tempo temos para viver mais curta é nossa vida.

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Qualquer análise relativa à expectativa de vida demonstrará que hoje vivemos mais tempo do que em outros momentos da história. Viver mais tempo parece ser algo muito salutar e desejável. Porém, ao lado desse dado, há um processo de diminuição da dimensão da existência humana que não podemos esquecer quando avaliamos onde estamos e para onde vamos.

O sentido da existência

Antigamente o sentido de uma existência individual incluía a participação do indivíduo na vida comunitária. Então, ninguém avaliaria sua vida individual atentando-se somente para si mesmo. Um filósofo antigo dizia que ninguém pode estar seguro de sua felicidade, pois os seus descendentes poderiam fazer algo que a comprometesse. Ou seja, até mesmo a felicidade individual dependia das ações dos familiares no futuro. Se esses não agissem de acordo, a felicidade do antepassado já falecido poderia ser comprometida. Mas essa maneira de pensar que alongava a perspectiva da existência, para toda uma geração de pessoas, foi deixada para trás, pela marcha da cultura.

Hoje, quando pensamos em nós mesmos, quando pensamos em nossa vida, pensamos em uma dimensão temporal que se reduz ao tempo de nossa existência individual. Então, tudo o que não diz respeito diretamente a esse tempo é deixado de lado como destituído de significado. Se antes nos sentíamos bem ao pensar que o que fazemos é uma contribuição para uma família, para uma comunidade, para uma nação, hoje ocorre algo distinto.

O que vivemos tem de ser significativo para cada um de nós enquanto estamos vivos. Inclusive, a estratégia de pensar que o que fazemos se justifica por consequências para as próximas gerações, é vista com maus olhos. Ela é encarada como um tipo de covardia de quem não possui a coragem necessária para viver sua própria vida de maneira independente e necessita justificar-se apelando para consequências distantes – apoiando-se em alguma coisa que não em si mesmo.

Essa mudança de perspectiva encolheu a dimensão de nossa existência, tornou-a menor no tempo. Isso porque o que antes poderia adquirir um sentido válido por sua contribuição em um projeto, em uma ideia mais ampla, hoje tem de valer com relação a esse curto tempo em que estamos aqui nesse planeta. Antes alguém poderia dizer que sua vida pode ter parecido tacanha, mas que ele contribuiu para tornar seu entorno melhor para outros do futuro. Hoje, quem não dá sentido imediato à sua vida, simplesmente vive uma vida vazia.

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Hoje, infelizmente, quem não der um sentido imediato e individual à sua vida, percebe-se mergulhado numa vida vazia

E é por isso que o vazio nos acomete de todos os lados. Ele se apresenta para nós como um fantasma que temos de exorcizar dentro de nós mesmos, justamente porque não há nada lá fora que possa nos fornecer esse sentido. Não que não exista nada efetivamente do lado de fora, mas simplesmente porque passamos a considerar que tudo o que vale tem de brotar exclusivamente de nós mesmos, precisa ser intenso agora, nesse momento.

Além disso, essa condição atual nos pressiona continuamente a fornecer para nós mesmos uma intensidade que continuamente tende ao vazio. Por isso, o tédio ou a sensação de vazio nos ameaçam com tanta perseverança.

Tentamos obter um apoio sólido em uma condição de vida precária, em uma modalidade de existência que excluiu de si tudo o que é permanente, Então, o que temos é uma vida breve dentro da qual tentamos obter algum apoio permanente. Mas dentro de nós, tudo é passageiro por definição; somos um fluxo contínuo de sensações, percepções, sentimentos, ideias – como sempre fomos.

Tudo tornou-se individual e passageiro

O que ocorre é que transformamos essa precariedade individual na única possibilidade de obter um sentido válido. Por isso, corremos desesperadamente de um valor a outro, de uma experiência intensa a outra, de um pico de entusiasmo a outro… indefinidamente. Porém, nada aí é efetivamente permanente, porque tudo é individual e passageiro, nada aí pode valer – mesmo que você corra incessantemente.

A vida é cada vez mais breve e a corrida por segurança não leva a lugar nenhum.

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie