Saúde mental: o que o filme ‘Coringa’ nos ensina

O perigo dos ‘coringas’ negligenciados pela sociedade e o transtorno mental que acomete o Coringa

A intenção não é dar spoiler, mas o filme Coringa (Direção: Todd Philips, 2019), retrata a vida do famoso personagem conhecido por ser o principal inimigo do Batman. Porém, o que chama a atenção, é que o roteirista Scott Silver surpreende ao utilizar recursos da psiquiatria na construção do enredo. Assim, ele traz à tona uma reflexão acerca de saúde mental e seus desdobramentos no comportamento humano em dias atuais.

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Thriller psicológico

Esta película de suspense psicológico evidencia como as consequências da falta de assistência à saúde mental, e os problemas associados à ausência de tratamentos, colocam toda a sociedade em risco. Entender a relação entre o filme Coringa e os fatores relacionados à assistência, ou não, à saúde mental, é primordial na compreensão dos impactos gerados no comportamento das pessoas que têm um transtorno mental.

Coringa é o apelido do personagem central, Arthur Fleck, que luta para sobreviver em uma sociedade hostil, marcada pelo descaso do governo com as questões estruturais, como oportunidades de emprego, saúde e segurança pública.

Assim, o personagem mora com a mãe, idosa e doente, que depende dos cuidados do filho para sobreviver. Durante o dia, ele trabalha como palhaço de aluguel em instituições para crianças com câncer. Já à noite, ele cuida da mãe e, eventualmente, se apresenta como comediante de stand-up, já que alimenta o sonho de viver dessa profissão.

O protagonista, que atende pelo apelido de “Happy”, uma alusão ao desejo materno de que o personagem carregue sempre um sorriso no rosto, logo no início do filme, apresenta os primeiros sinais de que a falta de tratamento psiquiátrico e os seus efeitos podem gerar, tanto no doente, como na família e na sociedade; uma vez que ele deixa de receber os remédios controlados e os sintomas de tristeza, além de depressivo e agressivo, acentuam-se.

Mas qual seria o transtorno do Coringa?

Embora o filme não faça alusão a nenhum diagnóstico, pode-se levantar a hipótese de que a condição do Arthur é conhecida como síndrome pseudobulbar, caracterizada por riso ou choro inadequados, exagerados ou desproporcionais a um evento.

Dois principais fatores que provavelmente contribuíram para sua condição foram: a falta de afeto pela ausência do pai e os maus tratos na infância. Porém, com o passar dos anos, os sintomas tornam-se cada vez mais frequentes e dominam o personagem ao ponto de Fleck ser visto como ridículo, estranho, ignorado pelas pessoas. O estado mental de Fleck, somado à sua vulnerabilidade social, influencia o comportamento dele e o torna cada vez mais ameaçador, violento e cruel ao longo da trama.

O perigo dos ‘coringas’ negligenciados

Porém, de forma sutil, o autor nos transmite a mensagem de que as doenças mentais exigem atenção e cuidado especial. Logo, a sociedade precisa entender melhor sobre o que são os transtornos mentais e refletir sobre o que pode acontecer quando os seus “coringas” são negligenciados.

Segundo pesquisas recentes, a prevalência dos transtornos mentais na população brasileira está cada vez maior, a situação é realmente preocupante. Isso porque cerca de 86% dos brasileiros apresentam algum tipo de desequilíbrio mental. A projeção para os próximos anos sugere a necessidade de mais atenção a essa área de saúde.

Essa ausência de apoio da Saúde Pública expõe a sociedade aos riscos que um indivíduo sem tratamento representa. A ausência de um suporte público de qualidade gera muita dificuldade para a obtenção das medicações e do apoio necessário ao controle dos transtornos mentais. Com isso, a sociedade se torna vítima das vítimas do descaso público com a saúde mental.

Maioria dos doentes mentais é ignorada

Assim como Arthur Fleck, a maioria dos doentes mentais é ignorada tanto pelo governo como pela sociedade. Nesse contexto, a intrínseca relação entre o filme Coringa e saúde mental é um dos pontos que mais levam à reflexão: o número de “coringas” infiltrados na população e a dificuldade deles para conviver com a falta de tratamento resultante do descaso dos agentes responsáveis pelas intervenções nessa área.

Em momento reflexivo o personagem – Arthur Fleck/Happy/Coringa – elucida um dos principais aspectos da problemática da saúde mental na sociedade: “O pior problema de ter um transtorno mental, é que as pessoas esperam que você se comporte como se não o tivesse.”

Então, fica aqui minha sugestão, assistam ao filme e tirem suas próprias conclusões! Abaixo o trailer:

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Coordenador do serviço de atendimento a pacientes com tricotilomania no PRO-AMITI/IPq FMUSP. Supervisor clínico na UNIP. Psicólogo pela Universidade Metodista. Mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Especialização em Terapia Cognitivo-comportamental pelo Ambulim/IPq FMUSP. Especialização em Psicologia Hospitalar pela UNISA