O coaching é um processo pragmático, que ajuda a despertar potenciais nos indivíduos por meio de metodologia específica. Embora possa produzir efeitos terapêuticos, jamais pode ser utilizado com essa finalidade.
Mesmo quando a programação televisiva presta um “desserviço” à população, há oportunidade para informá-la. É o que vem acontecendo nas últimas semanas após certa polêmica instalada na mídia e nas redes sociais em função da história vivida pela personagem Laura (Bella Piero) de O Outro Lado do Paraíso, saga global das nove.
Abusada quando criança pelo padrasto Vinícius (Flavio Tolezani), a moça tem uma relação péssima com ele e dificuldades de manter uma vida sexual com o marido. Sem lembrar-se daquilo que lhe causou tamanho trauma, Laura procura uma conhecida, a advogada Adriana (Julia Dalavia), que é coach, e esta lhe oferece ajuda por meio de sessões de hipnose. Laura se depara com uma enorme dor emocional, lembrando do abuso, e Adriana prossegue nas sessões.
Ocorre que toda esta situação, ainda que fictícia, é um grande imbróglio que depõe contra profissionais de coaching, psicologia, hipnose e coloca em risco a saúde mental dos mais desavisados. Reforça a confusão que as pessoas fazem entre o trabalho do coach, do psicólogo, do psiquiatra e não resolve os tabus em torno das práticas psico e hipnoterapêuticas. Afinal, quem devemos procurar e para que finalidade? Eis uma boa oportunidade para explicar, ainda que de maneira resumida e simples.
O que faz um coach?
Cabe esclarecer, de início, e por ser minha especialidade, o que faz um coach.
Tomando por base a novela, vale ressaltar que, sabendo se tratar de um caso de trauma o da potencial cliente Laura, a coach Adriana jamais poderia ter prosseguido em seu atendimento.
O coaching é um processo pragmático, que ajuda a despertar potenciais nos indivíduos por meio de metodologia específica. Embora possa produzir efeitos terapêuticos, jamais pode ser utilizado com essa finalidade. O coach deve ter formação adequada, embora não seja esta uma profissão regulamentada no Brasil, com exigência de cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).
O processo de coaching leva o sujeito mentalmente saudável, frise-se, do ponto A (presente, condição atual) para o ponto B (objetivo mensurável/comportamento a ser atingido/ desenvolvido, num futuro próximo) por meio de um plano de ação conduzido em uma parceria entre o coach e o coachee (cliente de coaching). Do passado deste último ficam no processo apenas os recursos pessoais e aprendizados que possam auxiliar na produção dos efeitos desejados. Não faz parte do trabalho remoer questões antigas.
Ao acessar um trauma ou manifestar desordens emocionais de qualquer natureza, o cliente deve ser encaminhado à psicoterapia. Vale lembrar que coach não faz diagnóstico. E que psicoterapia não é prerrogativa apenas do psicólogo. Pode ser exercida por profissionais habilitados em reconhecidas técnicas psicoterapêuticas (observar a linha tênue entre estas e o exercício da psicologia nas entidades reguladoras), psiquiatras, mas nunca por um coach.
Mesmo que este tenha formação na área, é melhor que a use apenas para reconhecer quando é o caso de encaminhamento terapêutico. Em nome da ética, deve conduzir uma única metodologia junto ao cliente – a psicoterapia ou o coaching.
O psicoterapeuta também não pode intitular-se psicólogo sem ter passado pela universidade, em um curso de psicologia, sob risco de exercício ilegal de profissão regulamentada. Na opinião desta interlocutora que vos fala, psicólogos e psiquiatras devidamente formados são as pessoas mais habilitadas a fazer psicoterapia em casos de trauma como o abordado na novela, bem como em manifestações de transtornos de ansiedade, humor e personalidade.
Já a hipnose induz a estados alterados de consciência para acessar memórias e emoções profundas, por meio de relaxamento corporal, técnicas de respiração e sugestão. Sua prática é reivindicada por profissionais de saúde tais como psicólogos, psiquiatras, médicos de outra especialidade, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e dentistas (lembremos que a coach Adriana, na novela, não é uma profissional de saúde e, sim, advogada). Não há indicação específica para a prática, podendo ser esta coadjuvante ou protagonista de processos psicoterapêuticos.
Talvez o que mais tenha incomodado foi o fato de a cena em que Adriana oferece ajuda a Laura ter sido fruto de um grande merchandising de um conhecido instituto formador de coaches, cujo presidente é citado no diálogo das personagens, e cujo logo consta dos letreiros finais da novela. Se as impropriedades reveladas (coach tratando trauma e fazendo hipnose) foram ideias equivocadas do autor da trama, Walcyr Carrasco, ou táticas agressivas para vender cursos e serviços, idealizadas pelo referido instituto, não podemos afirmar. Mas você, leitora ou leitor já sabe quem procurar e em que ocasião, quando o assunto for desenvolvimento pessoal e saúde mental.
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