Dieta cetogênica, como funciona: ela consiste na baixa ingestão de carboidratos, é moderada em proteínas, e rica em gorduras.
A obesidade é um grande risco de saúde, causando a morte de 2,8 milhões de pessoas por ano no mundo. A maioria das doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas, está em grande parte relacionada à obesidade, que quase sempre é produto de um estilo de vida não saudável e maus hábitos alimentares. Um regime dietético que tem se mostrado muito eficaz para a perda rápida de peso e melhora das condições de saúde é a dieta cetogênica, baixa em carboidratos, moderada em proteínas e rica em gorduras.
Fisiologia e bioquímica da dieta cetogênica
Basicamente, os carboidratos são a principal fonte de produção de energia nos tecidos corporais. Quando o corpo é privado de carboidratos, limitando a ingestão a até 50 g por dia, a secreção de insulina é significativamente reduzida e o corpo entra em um estado catabólico (quebra de moléculas). Os estoques de glicogênio acabam se esgotando, forçando o corpo a passar por certas mudanças metabólicas. Dois processos entram em ação quando há baixa disponibilidade de carboidratos nos tecidos do corpo: gliconeogênese e cetogênese.
Gliconeogênese e cetogênese
Gliconeogênese é a produção de glicose pelo próprio corpo, especialmente no fígado. Quando a disponibilidade de glicose dietética cai, a produção endógena não é capaz de acompanhar as necessidades do corpo e aí começa a cetogênese, com a produção de corpos cetônicos a partir de gordura estocada no fígado sob a forma de triglicerídeos. Corpos cetônicos substituem a glicose como fonte primária de energia. Durante a cetogênese a glicemia baixa e assim o estímulo à secreção de insulina também baixa, o que reduz drasticamente o estímulo para o armazenamento de gordura e glicose, mediados pela ação da insulina.
Cetose nutricional
Os corpos cetônicos se acumulam no corpo à medida que a alimentação cetogênica é mantida. Este estado metabólico é chamado de cetose nutricional. Enquanto o corpo é privado de carboidratos, o metabolismo permanece em estado de cetose. A cetose nutricional é considerada segura, pois os corpos cetônicos são produzidos em pequenas concentrações, sem alterar o pH sanguíneo. Isto difere muito da cetoacidose, uma condição com risco de vida onde os corpos cetônicos são produzidos em concentrações extremamente altas, alterando o pH do sangue e tornando-o ácido.
Aplicações terapêuticas
O estado de cetose leva a uma redução na frequência de convulsões epilépticas, retarda ou interrompe o crescimento de alguns tipos de tumores, melhora a função cerebral em pacientes com Alzheimer, ajuda no controle da obesidade, diabetes, síndrome metabólica, e muitas outras condições.
Em que consiste a dieta cetogênica
Uma dieta cetogênica consiste de alto teor de gorduras, proteínas moderadas e carboidratos muito baixos. Os macronutrientes são divididos em aproximadamente 55% a 60% de gordura, 30% a 35% de proteína e 5% a 10% de carboidratos. Por exemplo, em uma dieta de 2.000 calorias por dia, os carboidratos ficam entre 20 a 50 g por dia. Ao começar uma dieta baixa em carboidratos, é necessário tomar líquido extra e sal, sob a forma de caldo de carne ou azeitonas, especialmente nas duas primeiras semanas. A razão disto é minimizar os efeitos colaterais iniciais como dor de cabeça, mal-estar, fadiga, decorrentes da mudança da fonte primária de energia.
Corpos cetônicos
Corpos cetônicos sintetizados no corpo podem ser facilmente utilizados para a produção de energia pelo coração, tecido muscular e rins. Corpos cetônicos podem atravessar a barreira hematoencefálica para fornecer uma fonte alternativa de energia ao cérebro. O corpo cetônico produz mais ATP (molécula de energia) do que a glicose, sendo chamado de “supercombustível”. Assim o organismo consegue manter uma produção eficiente de energia, mesmo durante um déficit calórico. Os corpos cetônicos também diminuem o estresse oxidativo (danos causados por radicais livres) e aumentam a capacidade antioxidante.
Como funciona a dieta cetogênica
Esta dieta imita aspectos da fome ou do jejum, forçando o corpo a queimar gorduras em vez de carboidratos para obter energia. No dia a dia os carboidratos presentes nos alimentos são convertidos em glicose, que é usada para a produção de energia corporal.
Se há muito pouco carboidrato na dieta, o fígado precisa encontrar outra fonte de energia, e passa a converter gordura em ácidos graxos e corpos cetônicos. Os corpos cetônicos caem na circulação sanguínea, chegam ao cérebro e substituem a glicose como fonte de energia. O cérebro ama glicose, mas funciona muito bem com corpos cetônicos.
O que entra e sai na dieta cetogênica
Na dieta cetogênica são excluídos alimentos com alto teor de carboidratos, como frutas doces (banana, manga, fruta do conde, caqui, uva), legumes com alto teor de amido (batatas, aipim, inhame), pão, macarrão, cereais, doces e açúcar, ao mesmo tempo em que se aumenta o consumo de alimentos ricos em gorduras, como creme de leite, manteiga, queijo, cortes gordos de carne, ovos. Muito comum é o uso de suplemento à base de triglicerídeos de cadeia media (TCM), um tipo de gordura derivada do óleo de coco, que prontamente se converte em corpos cetônicos e acelera o processo de cetose.
Efeitos adversos
Os efeitos de curto prazo (até 2 anos) da dieta cetogênica são bem relatados e estabelecidos. No entanto, as implicações de longo prazo para a saúde não são bem conhecidas devido à literatura limitada.
Os efeitos negativos iniciais, conhecidos como ‘gripe ceto’, podem incluir náusea, vômito, dor de cabeça, fadiga, tontura, insônia, dificuldade na tolerância ao exercício e prisão de ventre. Esses sintomas se resolvem em alguns dias. Garantir a ingestão adequada de fluidos e eletrólitos (principalmente sódio) pode ajudar a combater os sintomas da ‘gripe ceto’. Efeitos adversos em longo prazo (mais de 2 anos) incluem alterações hepáticas, baixa de proteínas no sangue, pedras nos rins e deficiências de vitaminas e minerais.
Contraindicações
Pessoas que sofrem de diabetes e tomam insulina ou agentes hipoglicêmicos orais podem sofrer hipoglicemia grave se os medicamentos não forem ajustados adequadamente antes de iniciar esta dieta. A dieta cetogênica é contraindicada em pacientes com pancreatite, insuficiência hepática, diabetes avançado, distúrbios do metabolismo de gordura e algumas outras doenças metabólicas raras.
Atenção
Uma dieta cetogênica pode ser seguida de forma segura por um mínimo de 3 a 4 semanas até 6 a 12 meses. Crianças (epilepsia) e idosos precisam de mais atenção. O monitoramento das funções renais e hepáticas durante o período de dieta é essencial, e a transição de uma dieta cetogênica para uma dieta padrão deve ser gradual e controlada. A recomendação é que a dieta cetogênica seja sempre feita com acompanhamento médico.
Referências
*StatPearls 2021. Ketogenic Diet.
*Frontiers in Nutrition 2021. Ketogenic Diets and Chronic Disease: Weighing the Benefits Against the Risks.
*Reviews in Endocrine and Metabolic Disorders 2020. Ketogenic diets as treatment of obesity & type 2 diabetes mellitus.
*Frontiers in Neurology 2021. The Ketogenic Diet Revisited: Beyond Ketones.
*Frontiers in Nutrition 2021. A Clinical Perspective of Low Carbohydrate Ketogenic Diets: A Narrative Review. *Nutrients 2021. Metabolic Derangement in Pediatric Patient with Obesity: Role of Ketogenic Diet as Therapeutic Tool.